Com quase dez anos, Código Florestal ainda enfrenta desafios em sua implementação

28/09/2021   17h00

 

Em maio de 2022, a Lei 12.651/2012, conhecida como Código Florestal, completa dez anos. Embora seja uma legislação moderna e das mais rigorosas do mundo, ela ainda enfrenta desafios em sua implementação. Entre os principais pontos está a necessidade urgente de análise dos dados declarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para identificar, inclusive, sobreposições com terras públicas, unidades de conservação e terras indígenas.

 

De acordo com o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo, é fundamental que o Brasil reúna todos os esforços para a implementação do Código Florestal, que é um importante instrumento para a conservação florestal e o combate ao desmatamento ilegal.

 

“Colocar o Código Florestal em pé é urgente e estratégico para que o país consiga cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris”, declara. “A regularidade ambiental das propriedades rurais contribui ainda na melhoria da imagem do Brasil perante seus principais parceiros comerciais”, afirma.

 

De acordo com o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), há quase 5,5 milhões de hectares de áreas rurais sobrepostas a áreas de conservação, o que representa 2% desses territórios. Já em terras indígenas a sobreposição de áreas rurais chega a 12,3 milhões de hectares, ou seja, 10,4% das áreas disponíveis. “Essa situação gera muita insegurança jurídica para os negócios e coloca em risco a conservação ambiental”, destaca Bomtempo.

 

Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2020, do MapBiomas do Observatório do Clima, mostra que, em 2019 e 2020, menos de 1,5% dos alertas de desmatamento incidiram sobre os imóveis inscritos no CAR, o que reforça que a implementação dessa ferramenta contribuirá para reduzir o desmatamento.

 


“É urgente a análise dessas áreas com sobreposição de cadastro para agilizar a regularização ambiental das propriedades, com recuperação e restauração de áreas degradadas”, complementa Bomtempo.


 

Com a adesão ao CAR, os produtores têm acesso mais fácil a crédito, conseguem acessar o seguro agrícola e, quando têm área preservada maior do que exigida na lei, conseguem comercializar seus créditos por meio da cota de reserva ambiental (CRA) com produtores de áreas em déficit de áreas preservadas.

 

 

Código Florestal Brasileiro é único no mundo

 

O Código Florestal está entre as legislações brasileiras mais discutidas em todos os tempos. A lei, que passou por um amplo processo de debate que durou cerca de cinco anos com diversos setores da sociedade, substituiu a anterior, de 1965. A versão de 2012 trouxe, pela primeira vez, a proteção à vegetação nativa, um tema de relevância não só nacional como mundial, sobretudo, por conta da importância da conservação florestal para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

 

Esse instrumento foi mencionado em estudo da London School of Economics and Political Science de 2020 entre as principais iniciativas que contribuíram para o declínio do desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012.

 

O engenheiro florestal Raimundo Deusdará, que é analista do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e esteve à frente das negociações para construção do Código Florestal, lembra do processo para se chegar a uma legislação que contemplasse as visões de todos os setores envolvidos.

 

“Foram inúmeras audiências públicas, vários debates, um processo caloroso de formulação dessa política ambiental”, lembra. “Se a política é a arte do possível, como dizem alguns autores, o Código Florestal Brasileiro é resultado disso. Foi o Código do possível, sem ressentimentos, pois não houve vencidos nem vencedores.”

 

Além disso, Deusdará destaca que a lei preservou princípios da primeira lei sobre conservação florestal, de 1934, entre os quais a manutenção de áreas de conservação permanente e reservas legais.

 

 

 

 

Entre os avanços da legislação em relação às anteriores estão: o estímulo a limites de áreas, manejo florestal sustentável e combate ao desmatamento; forte adesão do setor agropecuário ao Cadastro Ambiental Rural (CAR); o gerenciamento estadual da regularização ambiental; e o pagamento por serviços ambientais, que foi recentemente regulamentado.

 


“Se o mundo quer que a floresta amazônica seja remunerada, que o produtor seja remunerado para mantê-la em pé, o Código Florestal já traz esse conceito e princípios para que esse mecanismo funcione”, destaca Deusdará. “No contexto da mudança climática, o Código é muito atual.”


 

Deusdará conta ainda que o setor industrial foi um forte indutor das leis florestais. A legislação de 1965, por exemplo, que regulamentou o reflorestamento com base em eucalipto, possibilitou o Brasil sair da situação de importador de papel e celulose para o maior exportador desses produtos.

 

“Hoje somos líder no setor e detentor da melhor tecnologia de produção de floresta em massa, que também contribui para a retenção de carbono”, comemora Deusdará.

 

 

 

 

Governo deve agilizar análise do CAR

 

Dos mais de 7 milhões de cadastros no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), somente 3% foram analisados. Segundo João Adrien, diretor de Regularização Ambiental do SFB, problemas de sobreposição territorial estão presentes em cerca de 20% dos cadastros, isso sem falar em erros de declaração – que são bem mais significativos.

 

“Temos de finalizar essas análises até o dezembro de 2022, que é o prazo limite para os produtores rurais aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)”, afirma. Sem o PRA os proprietários poderão ser autuados por supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente e de reserva legal realizada antes de 22 de julho de 2008.

 

Na visão de Mauren Lazaretti, presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), havia uma expectativa de que o CAR fosse realizado de forma mais simples. “O sistema é bastante complexo e exige uma série de ações, medidas, estruturas e dados para que pudesse chegar a ser um instrumento meramente declaratório, como inicialmente proposto”, relata.

 

Mauren, que também é secretária de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso, conta que em 2014 o governo estadual decidiu migrar o CAR para o Sicar federal, mas resolveram retornar ao sistema estadual em 2016 porque a plataforma local conseguia impedir sobreposições de declarações. Hoje Mato Grosso é a unidade da federação que está com a análise do CAR mais adiantada: com 40% dos cadastros analisados.

 

“No Sicar, chegamos a ter 85% de sobreposição de propriedades, um índice absurdo e incompatível com a realidade do estado, que não tem essa quantidade de litígios por terra”, relata.

 

A maioria dos estados dependem do sistema federal para o cadastro ambiental das propriedades rurais. São 15 estados e o Distrito Federal que usam o Sicar, cinco adaptaram o Sicar para a realidade local e somente Tocantins usa um sistema hídrido. Os demais cinco estados contam com sistema próprio de cadastramento.

 

 

 

Tecnologia para análise de CAR precisa melhorar base de dados ambientais

 

Outro desafio apontado no sistema é que a base de dados ambientais – como hidrografia e tipo de vegetação – do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), usada pelos estados, possui diferenças com a realidade do campo, principalmente nas zonas de transição entre biomas.

 

Por conta disso, Mauren afirma que são frequentes a solicitação de retificação manual dos cadastros para as equipes dos estados, que carecem de estrutura e pessoal para dar agilidade às análises. “Esse é um grande gargalo para estados que têm mais de um bioma. E estamos falando de muitos estados brasileiros, como Mato Grosso, Bahia, São Paulo, Minas Gerais etc”, declara. “Seria importante investir na construção de bases de dados referenciais com melhor qualidade e maior grau de precisão.”

 

Recentemente o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou a Análise Dinamizada do CAR (AnalisaCAR), plataforma que usa sensoriamento remoto para verificar as informações geográficas declaradas pelos proprietários rurais. O diagnóstico analisa automaticamente a situação ambiental do imóvel rural em relação às APPs, reservas legais e áreas de uso restrito e, quando for o caso, áreas de excedentes de vegetação nativa.

 

Ao todo, 11 estados devem começar a usar o sistema ainda neste ano e mais 11 até o fim do ano que vem. Até o momento, Amapá, Paraná e Distrito Federal implantaram o AnalisaCAR e Amazonas e Sergipe estão em processo de implantação.

 

Na visão de Mauren, embora a análise dinamizada deva aumentar significativamente o número de cadastros analisados, não deve resolver a questão de territórios com declarações sobrepostas, que dependerão de análise humana.

 

Outra iniciativa recente é o Módulo de Regularização Ambiental, para que os produtores que aderirem a iniciativa se adequem à legislação. Por meio dessa ferramenta, o Sistema Florestal Brasileiro poderá monitorar a restauração florestal em propriedades rurais e ter informações como os tipos de espécies usadas, locais onde estão sendo feitas recuperações e compensações florestais, além de boas experiências.

 

“Com o CAR e o PRA, começamos a planejar essa economia da recuperação florestal que será tão importante não só para a adequação florestal dos produtores, mas também para apoiar o país a atingir suas metas no Acordo de Paris”, afirma Adrien.

 

 

Por: Maria José Rodrigues

Infografia: Álef Pacelle

Da Agência de Notícias da Indústria