Empresas concorrentes se unem para financiar projeto de inovação a baixo custo

28/09/2018   11h43

Inovar é um dos principais fatores de competitividade das empresas. Os custos e riscos do processo inovativo, no entanto, podem, muitas vezes, inviabilizar a atuação de pequenas e médias indústrias. Mas um grupo de 11 destas empresas encontrou um caminho criativo para investir em inovação em tempos de retração econômica: participar de um consórcio que divide os riscos de um projeto milionário.

 

Concorrentes, os fabricantes de bateria de reposição se uniram para atender o mercado de veículos com sistema start stop. Cada empresa investirá R$ 110 mil, em parcelas suaves durante dois anos, no projeto com custo total de R$ 3,7 milhões. O principal benefício será sobreviver em um mercado que deve se transformar radicalmente nos próximos três anos.

 

O sistema start stop, presente hoje em cerca de 15% dos automóveis no Brasil, desliga o motor toda vez que o condutor para o veículo, em um semáforo por exemplo, e volta a ligar quando o motorista pisa no acelerador. Esse regime de funcionamento faz com que a bateria do carro seja mais exigida do que as tradicionais, as de partida. A projeção é que até 2021 todos os automóveis fabricados no país possuam o dispositivo. A perspectiva é uma ameaça às empresas que hoje fabricam baterias menos eficientes: elas terão de oferecer o novo produto a seus clientes ou correm o risco de ficar com espaço reduzido no mercado.

 

“O ganho para minha empresa é imenso, não dá para contabilizar. O mercado vai mudar e poderemos estar fora se não tivermos essa tecnologia. E seria impossível investirmos sozinhos nesse projeto”, conta o empresário Ronaldo Cardoso dos Santos, um dos sócios da Cargo Baterias, empresa de 71 funcionários com sede em Firminópolis (GO), a 110 km de Goiânia. Além da fabricante goiana, participam do consórcio oito empresas do Paraná, uma de Santa Catarina e outra do Rio Grande do Sul.

 

A empresa de Ronaldo passou a fazer parte do consórcio a convite do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), que organizou o grupo e é responsável pelo desenvolvimento do produto por meio da sua rede de 26 Institutos de Inovação. O projeto vai levar dois anos e contará com financiamento de R$ 1,2 milhão da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii); de R$ 1,2 milhão do SENAI e o restante será dividido pelas 11 participantes do grupo.

 

 

PRODUTO ÚNICO – Apesar de estarem juntas na empreitada, cada empresa terá, ao final do projeto, um produto único, explica Marcos Berton, pesquisador-chefe do Instituto SENAI de Inovação em Eletroquímica, no Paraná. Segundo ele, cada fabricante utiliza uma matéria-prima e as manipula de forma diferente. “A solução tecnológica é a mesma, mas cada empresa vai ter seu produto”, diz ele.

 

É a primeira vez, no Brasil, que um grupo com esse número de empresas concorrentes se une para pôr um novo produto no mercado. Entre 2013 e 2015, o Grupo Boticário, a Natura, a Yamá e a TheraSkin Farmacêutica se reuniram em um projeto para desenvolvimento de rotas de nanoencapsulamento, mas trabalharam juntas apenas na primeira etapa. A segunda fase, sigilosa e customizada, foi feita pelas equipes técnicas de cada empresa.

 

Além de investir em um produto estratégico para a sobrevivência do negócio, o consórcio também permitiu a melhoria das baterias de chumbo-ácido que atualmente são comercializadas pelas 11 participantes. Os pesquisadores do SENAI analisaram a qualidade do produto e o processo de fabricação de cada um, durante a primeira etapa do projeto. O resultado de seis meses de trabalho foram produtos melhores, mantendo-se o sigilo entre os concorrentes. Nenhum soube o que foi feito em relação ao produto do outro.

 

Segundo o sócio da Cargo, o trabalho feito na primeira fase já trouxe benefícios para a empresa, como a redução do volume de baterias devolvidas devido a algum defeito no processo de fabricação. “Nosso produto melhorou muito e tivemos um ganho de credibilidade diante de revendendores e clientes”, explica Santos. Outro benefício foi o ganho em competência e conhecimento das equipes. “Além de dividir o investimento, que para uma pequena empresa é onoroso, o projeto consórcio deu às empresas um produto indireto, que foi a capacitação dos seus técnicos”, complementa o coordenador do projeto, Leandro da Conceição.

 

Na avaliação do gerente-executivo de Inovação e Tecnologia do SENAI, Marcelo Prim, o consório beneficia tanto as participantes quanto as demais indústrias do país. “Um modelo como esse consórcio permite que pequenas e médias empresas possam participar de mecanismos avançados de apoio à inovação, como o da Embrapii e os Institutos SENAI de Inovação, com compartilhamento de risco entre empresas e resultados que são compartilhados entre eles”, analisa. “Todos são beneficiados, inclusive o SENAI, que, por meio desse mecanismo, consegue difundir melhor as tecnologias na indústria brasileira”, completa.

 

 

INOVAÇÃO ABERTA – Segundo o diretor-presidente da Embrapii, Jorge Guimarães, a inovação aberta, como a realizada no consórcio, fortalece a indústria nacional. “No Brasil, a cooperação entre empresas concorrentes e com empresas que pertencem a mesma cadeia ainda são raras. No entanto, investir em pesquisa aberta pode fortalecer ainda mais a indústria nacional. A inovação colaborativa traz múltiplas vantagens: divisão de esforços, conhecimento, custos e riscos em um âmbito pré-competitivo”, explica.

 

O modelo de financiamento compartilhado entre as empresas, a Emprapii e o SENAI também é um facilitador para as indústrias que desejam inovar. “A Embrapii confia que esse modelo de investimento pode ser ainda mais atrativo para as empresas, já que a contrapartida do setor industrial pode ser compartilhada. A criação desse consórcio promete posicionar melhor a indústria de baterias nacional, tornando-a mais competitiva e preparada para atender a demanda do setor automotivo”.

 

O SENAI possui uma rede nacional de 26 Institutos de Inovação, dos quais 24 já operam plenamente, que realiza pesquisa aplicada – o emprego do conhecimento de forma prática, no desenvolvimento de novos produtos e soluções customizadas ou de ideias que geram oportunidades de negócios. Os Institutos atuam integrados a tendências globais, como mobilidade, saúde, energia, cidades inteligentes, manufatura avançada, bioeconomia, tecnologias da informação e comunicação, entre outras. desde que começaram a funcionar, em 2013, os Institutos SENAI de Inovação já entregaram 323 projetos e possuem 290 contratados ou em execução. O valor total movimentado é de R$ 703,3 milhões. Os centros possuem 513 colaboradores, dos quais 121 são mestres e 79 doutores.

 

Por: Helayne Boaventura

Da Agência CNI de Notícias