Mercados esperam reforma da Previdência

17/01/2019   11h03

Em entrevista à Revista Indústria Brasileira a economista-chefe da XP Investimentos Zeina Latif afirma que embora seja possível avançar em medidas microeconômicas para melhorar o ambiente de negócios, dando continuidade ao que já vinha sendo feito pelo governo de Michel Temer, a variável chave para o sucesso do novo governo no campo econômico é a aprovação da reforma da Previdência Social. “Não é só uma questão de saber se vai aprovar ou não, mas a qualidade da reforma. Não pode ser qualquer reforma. Essa reforma é um divisor de águas tanto para 2019 quanto para os anos seguintes”, resume ela. Veja a entrevista a seguir:

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Quais as perspectivas econômicas para 2019?

 

ZEINA LATIF – Ainda tem uma certa dose de incerteza. Essa ideia de que passa a eleição e as incertezas vão embora não é verdade. Você tirou da frente a incerteza eleitoral, mas toda a agenda econômica ainda traz preocupação e pontos de incerteza. Estou falando aqui da reforma da Previdência Social, que é prioritária para termos um ambiente macroeconômico saudável. No caso da reforma da Previdência, não é só uma questão de saber se vai aprovar ou não, mas a qualidade da reforma. Não pode ser qualquer reforma. Essa reforma é um divisor de águas tanto para 2019 quanto para os anos seguintes.

 

 

 

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Como assim?

 

ZEINA LATIF – Se a gente for por um caminho de uma reforma que sai atrasada e tímida, isso tende a gerar ruídos nos mercados e vai acabar impactando câmbio, inflação, taxa de juros e, portanto, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB). Os respingos poderiam ocorrer já em 2019. Digamos que neste ano ocorra um cenário em que não sai a reforma da Previdência, com negociações difíceis no Congresso Nacional. Com isso, os mercados vão ficar estressados porque o ambiente político não é neutro para o desempenho econômico.

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Quais seriam as implicações disso?

 

ZEINA LATIF – Vou dar um exemplo: em 2018, em função do cenário eleitoral, houve uma grande volatilidade cambial e estimo que isso pode ter roubado algo como 0,3% de crescimento do PIB. Ou seja, se tivermos algum quadro de incerteza em relação à Previdência, isso pode gerar uma pressão cambial que vai limitar o crescimento. Vale lembrar que o cenário externo hoje está pior do que há um ano. Tem também uma questão de expectativa porque se os empresários perceberem que as negociações estão atrapalhadas, isso pode provocar um atraso nos investimentos. Em resumo, 2019 vai ser um ano de crescimento econômico, muito como herança do governo Temer, mas ainda está difícil enxergar os anos seguintes.

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – E quais as perspectivas para aprovar a reforma da Previdência neste ano?

 

ZEINA LATIF – Eu não acho que o governo vai conseguir aprovar a reforma na Câmara dos Deputados no primeiro semestre. A tramitação da proposta vai dar muito trabalho e vai ser lenta. Acredito que vamos ficar o primeiro semestre com essa incerteza sobre a aprovação na Câmara. Espero a aprovação somente para o segundo semestre, incluindo a votação no Senado Federal.

 

Seria importante aprovar na Câmara no primeiro semestre para dar um sinal e, com isso, evitar turbulência cambial, evitar que o Banco Central tenha de elevar a taxa básica de juros precocemente e impactar a confiança dos empresários. Mas acho difícil aprovar no primeiro semestre. Embora a proposta do governo Bolsonaro não seja conhecida, já está claro que a sua é diferente do texto que está em análise hoje na Câmara dos Deputados, pronto para ser votado. Começar tudo de novo demora. E uma eventual aprovação no segundo semestre implica numa reforma mais tímida.

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Por quê?

 

ZEINA LATIF – No segundo semestre já passou a lua de mel do governo com o Congresso Nacional e o quadro político ficará mais desafiador. Acho que isso pode acabar limitando o escopo da reforma, com o governo tendo de ceder para conseguir aprovar. Nesse cenário, trabalho com o PIB crescendo entre 1% e 2% em 2019, abaixo do consenso do mercado financeiro, que está em 2,5%. Estou mais conservadora exatamente por causa dessa questão política.

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Deixando de lado as reformas estruturais, há possibilidade de avançar em outras medidas, de iniciativa apenas do Executivo, para destravar a economia?

 

ZEINA LATIF – Tem algumas coisas que podem ser feitas. O Brasil é um país cheio de distorções e o governo Temer já tomou muitas medidas para reduzir a burocracia, melhorar o ambiente de negócios e controlar os gastos públicos. Seria injusto não reconhecer o que já tem sido feito e que já está ajudando a economia, mas não tem jeito. Temos uma espada no pescoço que é a Previdência. Não temos como pensar em políticas públicas sem resolver esse problema, que tem a ver com a solvência das contas públicas.

 

A eficácia de qualquer política pública vai ser limitada num ambiente macroeconômico instável, em que as pessoas não saibam para onde vai o dólar e a inflação, por exemplo. Tem de manter essa agenda que já está sendo feita de medidas microeconômicas porque muitas coisas foram feitas nos últimos dois anos. Não estamos saindo do quadro de uma completa bagunça. Mas isso não tira a faca do pescoço, que é a questão da Previdência Social.

 

O mercado financeiro e os investidores deram o benefício da dúvida nos últimos anos porque houve a avaliação de que essa é uma agenda dura e, embora o Temer não tenha conseguido, o próximo presidente vai fazer a reforma. Se a gente começa a ter ruídos nessa agenda, isso pode gerar volatilidade. Essa variável é central para o sucesso econômico do próximo governo.

 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA – Como você vê as pressões dos governadores por uma solução para as contas dos estados, que hoje não estão conseguindo pagar em dia nem os salários?

 

ZEINA LATIF – Se a gente for para uma reforma da Previdência mais tímida, que não inclua os estados, o que significa mexer no regime especial dos professores e das polícias, esse desespero só vai crescer e as pautas-bomba vão aumentar.