“Projeções são de melhorias no comportamento da renda e poder de compra”, afirma economista

10/03/2022   10h54

 

O economista Silvio Campos Neto, mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), pontua que o cenário é bastante desafiador para 2022, em meio ao impacto do quadro eleitoral, da alta da inflação e do desemprego. Mas, embora lenta, há perspectiva de melhoria. “É fato que, com a expectativa de uma desaceleração inflacionária ao longo dos próximos meses e com a continuidade da melhora do mercado de trabalho, as projeções para este ano são de melhorias no comportamento da renda e poder de compra”, disse.

 

O professor de macroeconomia das Faculdades Oswaldo Cruz esteve me Natal, no último dia 24 de fevereiro, para ministrar a palestra “Cenário macroeconômico brasileiro – O que esperar de 2022 e dos próximos anos” aos diretores e gestões do Sistema FIERN. E concedeu a entrevista que você confere a seguir:

 

Como o senhor vê as perspectivas para este ano na economia brasileira?

As perspectivas para 2022 envolvem um ano mais difícil, mais desafiador. Não que se espere uma economia em contração, mas possivelmente que estabilize seu nível de atividade, tendo em vista o contexto global, que tem alguns pontos que limitam nosso desempenho, como, por exemplo, o quadro inflacionário e as altas de juros esperadas nos Estados Unidos, os conflitos geopolíticos, os preços de insumos ainda elevados, as dificuldades nas cadeias produtivas. Mesmo internamente há aspectos que impõem certo limite à nossa performance. Refiro-me às taxas de juros que já subiram bastante nos últimos meses para fazer frente às pressões inflacionárias. A própria incerteza eleitoral gera postergação de decisões e afeta o ano de 2022. Por fim, há dificuldades do ponto de vista da demanda. O consumo das famílias ainda está fragilizado com a perda do poder de compra diante da inflação. Por essas razões, nossa expectativa é de uma economia com baixo crescimento, talvez com um desempenho próximo à estagnação.

 

Durante a palestra na FIERN o senhor afirmou que a inflação é mundial e atinge, até em percentuais históricos, países como os Estados Unidos. Para o Brasil, estar em meio a este cenário tem sido mais difícil?

Realmente, há um processo inflacionário global. A inflação nos Estados Unidos, atualmente, está no maior patamar desde o início dos anos 1980.  Isso vai exigir um ajuste de juros por lá. Também temos fatores internos que contribuem para pressionar a inflação. Houve uma pressão cambial, em patamares muito desvalorizados, mais recentemente com alguma correção. E também uma crise hídrica que pesou muito sobre tarifas de energia elétrica e sobre preços de alguns alimentos. Esperamos que, ao longo de 2022, com a melhora nestes componentes e o efeito do aperto monetário, o aumento dos juros, a nossa inflação seja um tanto menor do que tivemos no ano passado.

 

O senhor projeta um crescimento da renda dos trabalhadores em 2,5%, ao longo deste ano, esse índice amplia a capacidade de consumo ou a inflação acaba diluindo a variação?

Desde o início do surto inflacionário, temos observado um impacto grande com a redução do poder de compra dos trabalhadores. O próprio mercado de trabalho, agora em recuperação, manteve uma taxa de desemprego alta em boa parte do ano. Isso estimulava contratações com salários mais baixos. É fato que, com a expectativa de uma desaceleração inflacionária ao longo dos próximos meses e com a continuidade da melhora do mercado de trabalho, as projeções para este ano são de melhorias no comportamento da renda e poder de compra. Isso pode contribuir para o consumo. Ainda assim, a magnitude dessa melhora tende a ser moderada, o que é condizente com o cenário descrito de uma economia que cresce pouco, com muitas incertezas e fatores de risco.

 

A indústria entrou em 2021 confiante na retomada. Mas passou o ano com um custo elevado das matérias-primas e dificuldades no fornecimento de insumos. Mesmo assim, enfrentou os desafios com perspectiva de recuperação. Acredita que vai superar esses entraves? Quais são os principais desafios? 

Há questões de curto prazo e outras que são perceptíveis olhando mais à frente. Em 2022, o setor industrial, pelo menos nos primeiros meses do ano, ainda vai se defrontar com esse quadro de dificuldades nas cadeias produtivas, o que traz problemas no fornecimento de insumos e mantém custos pressionados das matérias-primas e das commodities. Esses são aspectos que ainda vão pesar no desempenho do setor. Mas isso não impede, totalmente, a perspectiva de alguma recuperação, principalmente, a partir do ano que vem, com essas questões superadas. Ainda assim há desafios estruturais importantes. Sabemos que a indústria, há aproximadamente dez anos, talvez um pouco mais, se defronta com problemas de qualificação da mão de obra, do sistema tributários, da falta de inserção das cadeias produtivas globais, da insegurança jurídica. Ainda que tenham ocorrido avanços nos últimos anos, com a reforma trabalhista e marcos legais, há outros necessários.

 

As estimativas do senhor são de crescimento do PIB, nos próximos anos, próximo de 2%. Há algo que possa ser feito, tanto pela iniciativa privada, quanto pelos governos, para que se tenha um desenvolvimento mais expressivo?

O Brasil tem se defrontado com dificuldade para acelerar seu ritmo de crescimento nos últimos anos. O país tem mantido uma média reduzida de crescimento desde a última crise, por volta de 2014-2015. Isso reflete tanto aspectos conjunturais — como a necessidade de ajustes importantes do ponto de vista das contas públicas —, mas também estruturais, como o baixo nível de poupança, problemas de produtividade, nível de investimentos produtivos que deixam a desejar. Para ampliar nosso potencial de crescimento, teria que enfrentar todas essas questões. Então, os setores privado e público deveriam buscar uma agenda para o crescimento. Isso envolveria uma retomada da pauta de reformas liberalizantes, que melhorem o ambiente de negócios. O Brasil avançou, com a reforma trabalhista e remodelação de marcos regulatórios, mas há muito para ser feito para que se tenha uma reforma tributária e medidas para um equilíbrio macroeconômico, capaz de reduzir as taxas de juros e avançar na segurança jurídica. Então, tem uma agenda de curto prazo, mas há também uma estrutural. Isso envolve a qualificação de mão de obra. O SENAI é fundamental neste sentido.

 

Qual a consequência que o conflito na Europa Oriental pode trazer para a economia brasileira?

Esses conflitos trazem implicações em algumas frentes. Em um primeiro momento, podemos considerar a parte financeira, porque mexe com o fluxo de capitais. Tivemos até recentemente o Brasil — até o início de 2022 — sendo um destino de investimentos estrangeiros tanto para a Bolsa, quanto para a renda fixa. Um conflito desta magnitude faz com que os capitais estrangeiros fiquem mais cautelosos e busquem ativos de maior segurança, como ouro, dólar e títulos de países mais avançados. Com isso, a liquidez acaba secando para países emergentes como o Brasil. Essa é a primeira implicação para o Brasil que acaba pesando para os preços dos ativos. Outra seria para o comércio exterior. Esse talvez seja um tanto ambíguo, tendo em vista que o Brasil é exportador de commodities e os preços desses itens tem subido também por conta disso. Mas o mundo pode crescer menos a partir do agravamento desse conflito. O mundo crescendo menos iremos exportar menos. No cômputo, acaba sendo um sinal negativo.