Temos que recuperar o prestígio da ciência brasileira, diz ministro Marcos Pontes

21/02/2019   12h06

 

Há 13 anos, Marcos Pontes entrou para a história como o primeiro astronauta brasileiro. Ele liderou a Missão Centenário, primeira missão espacial tripulada do país. Antes de fazer parte da equipe da Estação Espacial Internacional, Pontes foi eletricista aprendiz, aos 14 anos, piloto de caças da Força Aérea Brasileira, formou-se engenheiro aeronáutico no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e representante do Brasil na Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) dos Estados Unidos.

Depois de ser astronauta, aos 55 anos, Marcos Pontes é ministro. No comando da pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações, o paulista de Bauru diz que sua missão é “resgatar o prestígio da ciência brasileira” e encaminhar políticas que elevem o nível de investimentos do país em pesquisa e desenvolvimento para 2% do PIB. Pontes defende ainda o uso estratégico da tecnologia para solucionar dilemas nacionais. “Ela (a tecnologia) está na saúde, na segurança, na agricultura, na indústria. E somos os responsáveis por torná-la a melhor ferramenta para o sucesso do país, para a geração de riquezas e para a melhoria da qualidade de vida da população”, afirma. Leia a entrevista completa que Marcos Pontes concedeu à Agência CNI de Notícias.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS –  O Brasil tem desafios importantes para ampliar o desenvolvimento de tecnologia e inovação. Um dos principais entraves tem sido a escassez, o contingenciamento de recursos. Qual é a estratégia da nova gestão em relação ao financiamento para pesquisa, desenvolvimento e inovação?

MARCOS PONTES – De fato, nos últimos anos, o MCTIC tem sofrido com cortes no orçamento. Para restabelecer a capacidade de investimento em pesquisa e inovação, temos que recuperar o prestígio da ciência brasileira, e faremos isso com ações que mostrem a importância estratégica da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do Brasil. Sabemos que 2019 não será um ano muito fácil, mas, com muito trabalho das nossas equipes e mostrando resultados, vamos conseguir entrar em 2020 com recursos em um patamar que corresponda à importância estratégica da ciência e tecnologia.

Vamos buscar o diálogo com a equipe econômica e com os deputados e senadores no Congresso Nacional. Em outra frente, vamos buscar o apoio do setor privado para elevar os investimentos em inovação. Hoje, o investimento em pesquisa e desenvolvimento no Brasil está na faixa de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que mais da metade disso é investido pelo Estado. Nossa meta inicial é chegar a 2%, com aumento da participação do setor produtivo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Duas das propostas que a indústria, inclusive por meio da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), têm sido transformar o FNDCT em um fundo financeiro; e utilizar o poder de compra do Estado, o uso de encomendas tecnológicas e mecanismos de offset para estimular o desenvolvimento e a difusão de tecnologias consideradas estratégicas. O que o senhor pensa sobre essas propostas?

MARCOS PONTES – A proposta de transformar o FNDCT em fundo financeiro tem potencial para garantir estabilidade no repasse de recursos à ciência, ampliar a capacidade de financiamento de projetos inovadores e, ainda, evitar o desvio de finalidade das receitas do fundo. Esse é um passo importante para fortalecer a ciência e a inovação, evitando cortes e contingenciamentos de recursos. Também gostaria de destacar que o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação deu importante contribuição para a utilização do poder de compra do Estado para fomentar a inovação. Além disso, oferece mais segurança jurídica aos atores do ecossistema de inovação e desburocratiza o ambiente de pesquisa.

O Marco Legal removeu uma série de entraves para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, autorizando, por exemplo, que instituições públicas cedam diretamente a empresas o uso de imóveis para a instalação de “ambientes promotores da inovação”, como parques tecnológicos e aceleradoras. Também flexibiliza as regras de transferência de tecnologia de ICTs para o setor privado e possibilita que as instituições públicas participem minoritariamente do capital da empresa, de forma direta ou indireta, por meio de fundos de investimentos constituídos com recursos próprios ou de terceiros. Tudo isso cria um ambiente positivo para atividades de pesquisa e inovação e vai na linha do que pretendemos fazer aqui no MCTIC, que é criar um sistema padrão de promoção da inovação que possa ser replicado em todo o país, mas respeitando as características e potencialidades de cada região.

MARCOS PONTES – Eu reconheço a importância da Embrapii para estimular o aumento do investimento da indústria em pesquisa, desenvolvimento e inovação e também para promover a inovação no setor produtivo, diminuindo riscos e custos. Acredito que a Embrapii dá importante contribuição ao país ao atender a demanda das empresas por inovação e ao fomentar a colaboração entre empresas e Instituições de Ciência e Tecnologia. Desde 2013, quando a Embrapii começou a operar, tivemos um aumento expressivo de projetos apoiados, de empresas envolvidas e de ICTs credenciadas para atuarem como Unidades Embrapii.

Para se ter uma ideia, hoje contamos com 43 Unidades Embrapii nas mais diversas áreas do conhecimento: tecnologias da informação e comunicação (TICs), mecânica e manufatura, materiais e química, tecnologias aplicadas e biotecnologia. E as ações nessas áreas se desdobram em várias outras. Então, conseguimos cobrir muitos setores tecnológicos. Além disso, chegamos à marca de mais de 600 projetos desenvolvidos e 267 empresas envolvidas nesse processo.

O ponto mais importante da Embrapii é que ela estimula as empresas a investirem em projetos de pesquisa e desenvolvimento por dividir o risco tecnológico, que é inerente ao processo da inovação. Um terço do investimento é do Estado, via Embrapii, e o restante é alocado pelas empresas e pelas Unidades Embrapii. Somente em 2017, o investimento direto das companhias nesses projetos representou mais de 48% dos R$ 626 milhões destinados a essas ações. Isso significa que a iniciativa privada sente segurança ao fazer negócios dentro do modelo da Embrapii.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A China se tornou o primeiro país de renda média a ser considerado um dos 20 países mais inovadores do mundo, segundo o Índice Global de Inovação 2018. O Brasil avançou cinco posições, mas ainda aparece em posição ruim (64°), sendo uma das maiores economias globais. O que é preciso para melhorar o ambiente de inovação no país?

MARCOS PONTES – Há algumas medidas que podem ser tomadas para melhorar o ambiente de inovação no Brasil, como as já mencionadas acima, aproximar as universidades das empresas e estimular o empreendedorismo tecnológico. O desafio é transformar o conhecimento produzido nas universidades em produtos e serviços inovadores. Para se ter uma ideia, o Brasil é o 12° país que mais produz artigos científicos no mundo, segundo os rankings internacionais, mas ainda patina nos índices de inovação. Esse gargalo pode e será superado com a modernização da política industrial brasileira, garantindo o apoio do setor produtivo à inovação.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Vivemos uma nova revolução industrial, no qual a tecnologia extrapola territórios óbvios como o chão da fábrica para alterar significativamente a vida das pessoas, dos governos, das empresas. No entanto, é sabido que o Brasil não caminha no mesmo ritmo das nações desenvolvidas na corrida tecnológica. Que tipo de políticas o senhor considera de primeira relevância para acelerar o processo de transformação digital no país?

A tecnologia é estratégica para o país. Ela está na saúde, na segurança, na agricultura, na indústria. E somos os responsáveis por torná-la a melhor ferramenta para o sucesso do país, para a geração de riquezas e para a melhoria da qualidade de vida da população. Por isso, criamos a Secretaria de Tecnologias Aplicadas, para acelerar a implantação de tecnologias que alavanquem setores estratégicos da economia brasileira.

Um primeiro esforço deve ser a expansão do acesso à banda larga, especialmente nas regiões remotas do país. Esse é o primeiro passo para garantir a transformação digital do Brasil. Para isso, contamos com o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), que não está operando plenamente por causa de uma pendência jurídica. Estamos trabalhando para resolver essa questão e utilizar a capacidade do satélite para levar banda larga pelo país. Além disso, temos a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital, o Plano Nacional de Internet das Coisas e o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação para Manufatura Avançada no Brasil – um conjunto de iniciativas que estamos avaliando, que tem o objetivo de elevar a competitividade da economia brasileira.