Artigo de Cassio Borges: “Terceirizar atividade-fim? Pode sim, decidiu o STF”

15/10/2018   15h20

Em artigo publicado no JOTA, o superintendente Jurídico da CNI, Cassio Borges, analisa
os efeitos da decisão do Supremo que declarou ser lícita a terceirização em
todas as etapas do processo produtivo

 

 

A terceirização é um fenômeno mundial e eficiente para a atividade empresarial obter ganhos de ordem produtiva e organizacional. Prática que se desenvolve há décadas, se tornou indispensável com a globalização das economias, a justificar um novo padrão produtivo, pautado em cadeias globais de valor.

 

No Brasil, a terceirização enfrenta desconfianças e rejeições. Bem recebida no âmbito empresarial, a Justiça do Trabalho sempre a enxergou como uma forma de desrespeito aos direitos trabalhistas, numa espécie de precarização da atividade laboral, admitindo-a, quando muito, em relação às atividades-meio das empresas, seja lá o que possa ser isso ou como se possa adequadamente caracterizá-las.

 

Sob o manto de um verbete carente de normatividade suficiente para restringir o princípio da livre iniciativa e a liberdade de contratar, os juízes trabalhistas aplicavam a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de forma a nulificar todo e qualquer contrato entre empresas, que buscasse a transferência de determinada parcela da atividade econômica empresarial.

 

Na visão desses magistrados, à míngua de parâmetros objetivos e técnicos capazes de generalizar tal distinção, a execução de etapas produtivas empresariais tinha de ser necessariamente realizada pela empresa detentora do negócio. A exceção estava restrita às atividades de mero suporte à atividade empresarial da empresa, como são os serviços de vigilância, de conservação e de limpeza.

 

Essa jurisprudência trabalhista defensiva foi testada e reprovada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

O QUE DECIDIU O STF – Ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958.252, o STF declarou ser lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim. Por vincular toda a magistratura trabalhista, a decisão gerou a seguinte tese: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

 

Prevaleceu o entendimento de que as decisões trabalhistas protagonizavam insegurança jurídica, pois a definição do que era atividade fim ou meio passava por uma concepção pessoal e criativa do magistrado, ao invés de estar pautada na lei.

 

Em recente estudo, intitulado Segurança Jurídica e Governança: o problema e a agenda, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) abordou esse aspecto, ao defender que “Não há confiança no direito ou estabilidade das relações, se os conflitos não forem julgados com base nos critérios claros, prévios e objetivos, definidos pela lei. Isso remete, é claro, ao resultado dos processos, às decisões, que não podem ser vistas como aleatórias ou arbitrárias, meras expressões da preferência momentânea do juiz”.

 

Infelizmente, a relação dos juízes trabalhistas com a terceirização exemplificava a prática de condutas incentivadoras de um ambiente institucional instável, capaz de corroer valores indispensáveis à existência e à estabilidade da sociedade.

 

O posicionamento assumido pelo STF, portanto, chega em boa hora e tende a frear aqueles que já se punham contra a nova legislação sobre a terceirização.

 

Se é certo que as Leis 13.429, de março de 2017, e 13.467, de novembro do mesmo ano, não tiveram o condão de prejudicar o julgamento da ADPF 324 nem o do RE 958.252, pois o que estava em discussão nestas ações era a validade constitucional das decisões judiciais proferidas antes delas, não é menos correto dizer que as decisões nessas duas ações são sinalização clara do destino das diversas ações de inconstitucionalidade ajuizadas contra as leis mencionadas.

 

QUESTÕES EM ABERTO – O acórdão do Supremo ainda não foi publicado e, até lá, muito se falará sobre os efeitos desse julgado, inclusive sobre os conflitos estabilizados pela Justiça do Trabalho.

 

É certo que a jurisprudência do STF rechaça o uso da ADPF para questionar decisões judiciais transitadas em julgado, evitando que essa importante ferramenta de controle de constitucionalidade se transforme num sucedâneo da ação rescisória. Por outro lado, os efeitos abrangentes e vinculantes próprios do controle concentrado de constitucionalidade não podem ser desprezados.

 

Uma coisa é saber se a decisão da ADPF é capaz de rescindir automaticamente um julgado trabalhista estabilizado. Outra coisa é verificar se essa mesma decisão pode ser fundamento para o ajuizamento de uma ação rescisória, na forma preconizada, inclusive, pelo §15 do artigo 525 do Código de Processo Civil, que a admite até dois anos após o transito em julgado da ação do STF e não da decisão exequenda. Isso sem falar no §5º do artigo 894 da Consolidação das Leis do Trabalho, que torna inexequível o título judicial pautado em ato normativo declarado inconstitucional pelo STF.

 

Como entidade sindical representativa da indústria nacional, a CNI, que participou das duas ações no Supremo na qualidade de amicus curiae, defendendo a terceirização de qualquer parcela da atividade empresarial, mantém firme esse seu compromisso e realizará, no dia 22 de outubro, o seminário Terceirização e os efeitos da decisão do STF, com o objetivo de promover uma avaliação crítica dessa decisão, alinhando o conhecimento do que foi deliberado, seus efeitos e possíveis e prováveis consequências.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS – Ao permitir a terceirização de qualquer parcela da atividade empresarial, o STF deu passo extraordinariamente importante e decisivo para colocar o Brasil no rol de países com os quais competimos internacionalmente.

 

É normal que existam críticas à nova legislação sobre a terceirização. Do mesmo modo que a decisão do STF sobre o tema não estará imunizada. Insatisfações fazem parte de qualquer ambiente minimamente democrático. O que não se deve admitir, sob pena de abalo às crenças republicanas, é a desobediência institucional a uma legislação legitimamente concebida e aprovada, cuja validade tem de ser necessariamente presumida, nem a uma decisão proferida pela mais alta Corte Constitucional brasileira, cujos efeitos devem ser sentidos por toda a sociedade.

 

O artigo foi publicado no sábado (13) no portal jurídico JOTA.