
Há dois cenários mais prováveis para a sucessão presidencial deste ano: dois candidatos extremistas passarem ao segundo turno; ou um político identificado com o “centro” ficar com uma das vagas na fase decisiva da eleição. No último caso, a candidatura do centro político tende a vencer, o que daria perspectivas para um governo reformista a partir de 2019.
A projeção é do economista, filósofo e escritor Eduardo Giannetti. Ele esteve em Natal e foi o palestrante da sessão magna em homenagem ao Dia da Indústria, que comemorou os 65 anos de fundação do Sistema FIERN.
“Como cidadão brasileiro, espero muito que um candidato do ‘centro reformista’ chegue ao segundo turno para dar essa opção aos brasileiros”, afirma.
Ele não tem dúvida de que o próximo presidente precisa liderar a aprovação de uma reforma no sistema previdenciário. “O Brasil vai ter que enfrentar, queira ou não, a realidade de uma reforma da Previdência. Os números são absolutamente conclusivos quanto ao tamanho e à gravidade do quadro previdenciário brasileiro”, disse.
Para Eduardo Gianetti, a situação política do país está “em aberto”, mas o próximo presidente, muito provavelmente, será um dos quatro que se mostram, neste momento, com mais possibilidade políticas e eleitorais: Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) ou Geraldo Alckmin (PSDB).
Nesta entrevista, além da análise do quadro sucessório, ele também analisa o governo Michel Temer, a situação da fragmentação partidária e o papel decisivo do eleitor para dar um novo rumo ao país.
Nesta conjuntura na qual o atual governo, que é de transição, chegou ao segundo ano, após ter assumido em seguida ao impeachment, como observa o momento político do país?
O governo Michel Temer perdeu a capacidade de iniciativa. Não vai realizar nada de muito relevante até o final do mandato. A grande dúvida, para toda a nação brasileira, é o quadro sucessório que vai decorrer da eleição de outubro. Vejo dois cenários básicos: Um no qual teríamos, passando ao segundo turno, dois candidatos extremistas; outro, no qual pelo menos um candidato do “centro reformista” consegue alcançar o segundo turno. Neste último cenário, o candidato de centro, provavelmente, seria o vitorioso. Quem ocupar o centro, no segundo turno, tem mais probabilidade de vencer a eleição.
O governo atual, ao assumir, anunciou ter compromisso com as reformas. Chegou a aprovar a emenda constitucional do teto dos gastos e a reforma trabalhista, mas não obteve êxito nos demais projetos. Em qual momento teria perdido a capacidade de conduzir esse processo de articulação das votações importantes no Congresso Nacional?
O governo Michel Temer assumiu com um capital político considerável. Usou esse capital para aprovar algumas reformas importantes, como [a emenda constitucional que estabelece] o teto de gastos no setor público e a reforma trabalhista. Mas foi vítima de uma contingência politica, que foram os escândalos que envolveram o presidente no dia 14 de maio de 2017. A partir dali, entrou no “modo sobrevivência”.

Perdeu condições de liderar?
Ele teve que consumir o que restou de capital politico para, simplesmente, vencer, com votações muito apertadas no Congresso, os pedidos de abertura de processos para apurações das denúncias que foram oferecidas. Nisso perdeu a capacidade de iniciativa. Houve um erro de sequenciamento. Em retrospecto, fica muito claro que teria sido melhor usar o capital político do início do mandato para aprovar as reformas mais difíceis, como a da Previdência. E deixar as reformas menos conflituosas e menos espinhosas para um momento anterior. Eles optaram pelo caminho inverso. Fizeram as reformas menos difíceis no início e quando chegou a hora de votar a Previdência estourou a conversa do presidente com o diretor da JBS. Isso acabou comprometendo todo aquele encaminhamento [de votações das reformas].
Há possibilidade deste governo ainda fazer algo de significativo até o final do atual mandato?
Considero muito remota [essa possibilidade], porque todo o sistema político brasileiro está voltado para a eleição. Além disso, o governo está muito desgastado. E paira até a possibilidade de uma terceira denúncia, o que seria uma “pá de cal” em um governo praticamente morto, com relação à capacidade de iniciativa e liderança.
Diante da situação política do país, qual deve ser o rumo do próximo governo?
O Brasil vai ter que enfrentar, queira ou não, a realidade de uma reforma da Previdência. Os números são absolutamente conclusivos quanto ao tamanho e a gravidade do quadro previdenciário brasileiro. Somos um país jovem, demograficamente vivendo o fim de uma transição com o que se chama “dividendo ou bônus demográfico”. Mas já temos gastos previdenciários de 13% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso é uma despesa, com Previdência, de um país europeu maduro. É muito elevada. Pelo nosso perfil etário, demográfico, devíamos estar gastando 6 a 7% do PIB com previdência.

Mesmo assim, há questionamentos sobre a necessidade desta reforma…
Tem vários outros números que podem ser mostrados [para confirmar que a reforma é necessária]. Mas, talvez, o mais contundente seja o seguinte: No Brasil, há oito pessoas em idade de trabalho, para cada pessoa acima de 65 anos. Tem oito entre 14 e 65 anos, para cada um acima de 65 anos. Em 2060, seremos 2,3 brasileiros em idade de trabalho, para cada um acima de 65 anos. Se já estamos gastando 13% do PIB, hoje, com Previdência, em qual situação estaremos em 2060? Essa conta não fecha. Além disso, tem dois componentes: a Previdência do INSS e a do setor público. A do setor público é de uma extravagância inacreditável em termos de disparidade e de regressividade, no gasto. O aposentado do INSS, oriundo do setor privado, tem benefício médio de R$ 1,3 mil. O aposentado do Poder Executivo federal tem um benefício médio de R$ 7 mil. Se for para o Judiciário e o Legislativo, estamos falando de R$ 16 mil e 19 mil, respectivamente, de benefício médio. É, portanto, um verdadeiro sistema de casta. Isso não pode continuar.
A reforma deve ir no sentido do projeto original do governo, fixando a idade mínima de 65 anos, e unificando o cálculo dos benefícios?
Sim. Mas ainda precisa ser mais corajosa, ao atacar os interesses dos grupos corporativos que querem defender os interesses dos privilégios adquiridos.
Isso significa incluir, nas novas regras, setores ou categorias que não estavam no projeto, como militares?
Sim, sem dúvida alguma.
Com relação aos cenários eleitorais que o senhor delineia, qual é o mais provável nas condições atuais? O que aponta um segundo turno entre dois candidatos extremistas ou o que sinaliza um nome do centro político na disputa decisiva?
É um quadro dinâmico. Está em aberto. Dificilmente o próximo presidente não será um dos quatro nomes que despontam como os mais prováveis.
Ou seja, Jair Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin?
Sim, isto. É muito improvável que o próximo presidente não seja um destes quatro. E, nisto, há dois cenários: Ou teremos Bolsonaro versus Ciro no segundo turno; ou um cenário no qual um candidato do centro reformista chegue ao segundo turno [contra Bolsonaro ou Ciro]. Neste último, o nome do centro seria o vencedor, porque quem ocupar este espectro, em uma eleição de dois turnos, normalmente ganha.
Considera, então, que o cenário com um nome do centro seria mais adequado para a situação do país?
Como cidadão brasileiro, espero muito que um candidato do centro reformista chegue ao segundo turno para dar essa opção ao cidadão brasileiro.
Mas algumas pesquisas apontam que é factível um segundo turno entre dois candidatos dos extremos. Os candidatos do centro reformista apresentam muitas dificuldades eleitorais e políticas atualmente…
Todos apresentam muitas dificuldades. Bolsonaro pela total fragilidade conceitual e [ausência] de preparo. Trata-se de alguém que acha que deve armar a população. Ele declarou que Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado, quando houve a privatização da Vale do Rio Doce. Agora (Bolsonaro) se apresenta como um liberal, querendo privatizar tudo na linha do [economista] Paulo Guedes, que ele chamou para elaborar um programa de governo. Então, é extremamente oportunista e populista.
Um economista liberal seria insuficiente para resolver ou ajudar a superar essas contradições de um político com a trajetória que o senhor citou?
O passado deste candidato é contrário e avesso a uma proposta de reformas liberalizantes. Ele é protecionista, xenófobo, nacionalista, elogia torturador… O maior risco de uma eventual vitória deste candidato é uma ruptura institucional.
Os candidatos de centro estão preparados para enfrentar a gravidade da situação do país?
Tem que trabalhar muito ainda e o que mais me preocupa é o dia seguinte [ao da posse do novo presidente, em janeiro de 2019]. O Congresso Nacional, provavelmente, será muito fragmentado e voltado à velha política, diante de candidatos [de centro] que tentam mudar o modo de fazer política.
Alguns analistas apontam que essa fragmentação partidária no Congresso Nacional pode ser ainda maior na próxima legislatura. Diante disso, o presidente eleito em outubro deste ano terá condições políticas de articular no Parlamento e aprovar os projetos que considere fundamentais ao país?
Vai depender muito da manifestação do eleitor, de quem for eleito e de como as revelações da Lava Jato vão influir na escolha dos candidatos. Mas é certo que não será um quadro simples, até porque algumas das reformas, que o país precisará fazer, não são, em um primeiro momento, palatáveis. Tenderiam a melhorar a situação, iriam no rumo da geração de empregos, o que é a preocupação número um da maioria da população brasileira, mas o caminho não será de facilidades. Precisará de muita negociação e do exercício da arte da política.
Algumas análises apontam que, quando conseguiram aprovar projetos importantes, os presidentes dos últimos governos – Fernando Henrique, Lula e Dilma Rousseff – foi na base do toma-lá-dá-cá. É possível romper como essa forma de fazer política, no Congresso, para haver uma discussão mais equilibrada sobre as reformas?
Discordo um pouco. Lula e Fernando Henrique, no início de seus primeiros mandatos, tinham liderança e capacidade de iniciativa. Isso permitiu que fizessem reformas importantes e benéficas para o Brasil. O problema é que ambos tiveram momentos de inflexão que os levaram para o toma-lá-dá-cá, para o pior tipo de fisiologismo e para formar alianças com o que há de mais sinistro na política brasileira. Fernando Henrique teve um ponto de inflexão quando resolveu sair a campo para aprovar a emenda da reeleição. Precisou se aliar a grupos sinistros e, não há outra palavra, corruptos. E Lula, quando teve o mensalão, para sobreviver no curto prazo, acabou se entregando a alianças com grupos incompatíveis com tudo o que ele representou no passado. Dilma já não tinha capacidade de liderança e nasceu [na Presidência], praticamente, entregando os pontos. No segundo mandato, ainda mais. Loteou 34 ministérios entre dez partidos políticos e não conseguiu eleger o presidente da Câmara dos Deputados. O governo estava falido e ali foi decretado o impeachment dela. Perdeu a condição de governar.

O Judiciário também pode ser um empecilho a um governo reformista?
O Judiciário tem um papel fundamental ao esclarecer, investigar, apurar e condenar as práticas inaceitáveis que dominaram a política brasileira de muito tempo para cá. Mas também contém elementos de corporativismo, com a defesa muito arraigada de privilégios que precisam ser enfrentados. O Judiciário tem esses dois componentes. Um lado positivo que mostra a independência e cumpre o seu papel, ao punir práticas condenáveis que a politica abraçou. Por outro lado, ao longo do tempo, vem adquirindo privilégios, principalmente na área previdenciária, que precisam ser revistos.
Vislumbra possibilidade dos partidos tomarem novo rumo diante deste quadro?
O Brasil nunca mais será o mesmo depois da Lava Jato, que, realmente, é um acontecimento da maior importância para que o país se livre da deformação patrimonialista do Estado. A Lava Jato escancarou as entranhas do “modus operandis” do poder no Brasil. Mas a Lava Jato não é “condição suficiente” para mudança. É “condição necessária”. A condição suficiente haverá se o eleitorado, a sociedade civil, usar essas informações [da Operação Lava Jato] para renovar a política e mudar as regras do jogo político. Com isso, poderemos ter um “presidencialismo de programa” e não um “presidencialismo de fisiologismo”.
Então, o fator da equação decisivo vai ser, ainda mais na circunstância atual, o eleitor? Dependendo das opções feitas o país toma o rumo do agravamento de crises ou da superação das dificuldades?
Isso é a democracia, que permite alternância de poder. O mais belo da redemocratização do Brasil foi o modo muito sereno e competente da transição dos governos Fernando Henrique Cardoso para o primeiro governo Lula. Foi um momento extraordinariamente belo.
Parecia que a democracia estava amadurecida?
Deu a impressão de que tínhamos nos tornado um país maduro, mas, infelizmente, o segundo mandato de Lula e, lamentavelmente, o governo Dilma puseram quase tudo a perder. Mesmo assim, a Lava jato nos dá esperança de que as coisas podem melhorar. Tenho citado um verso de Fernando Pessoa, que nos enche de esperança: “Extraviamo-nos a tal ponto que devemos estar num bom caminho”.