Mercado de carbono: o que o Brasil pode aprender com a experiência internacional

6/10/2022   11h02

 

Vários países já estão avançando nas negociações para a criação de seus próprios sistemas de precificação do carbono, seja na forma de taxação de emissões ou de comercialização de cotas via mercado de carbono. Avaliação realizada pelo governo brasileiro, em interlocução com o setor produtivo, resultou em um entendimento de que o mercado regulado oferece um ambiente mais flexível ao investimento, com segurança jurídica e confiança. Regras claras, garantia de monitoramento e governança que permitirão às empresas escolherem qual a melhor estratégia e quais medidas precisam ser adotadas para reduzir as emissões de CO2, por exemplo.  A Confederação Nacional da Indústria (CNI)  vem coordenando o processo de discussão desse mercado regulado junto a sua base e em interlocução com o governo brasileiro.

 

De acordo com o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo, para o setor produtivo, dentre as opções de precificação, o mercado regulado é o mais adequado. “É mais vantajoso, pois estimula o ambiente de negócios, a inovação e competitividade das empresas, sem aumentar a carga tributária”, resume.

 

Na avaliação de Gabriella Dorlhiac, diretora executiva da International Chamber of Commerce (ICC) Brasil, o país precisa ser assertivo e pró-ativo nesse tema. “O cenário está mudando: Europa, Estados Unidos e Canadá estão revendo regulações e o Brasil vai ser extremamente afetado”, diz.

 

Segundo ela, é inevitável que a questão ambiental se torne cada vez mais presente na agenda comercial. “Não será mais possível falar sobre comércio sem olhar para o meio ambiente. Como as leis e regras comerciais vão se adaptar a isso, como vamos ter mecanismos para regrar isso e como vamos fazer essa evolução são fatores importantes, e o mercado de carbono é um excelente começo”, pontua.

 

 

Neste cenário, a experiência internacional pode colaborar com o país para aprimorar sua estratégia. Relatório de 2022 do Banco Mundial, State and Trends of Carbon Pricing, indica que há 68 instrumentos de precificação direta de carbono em operação: 36 impostos de carbono e 32 Sistemas de Comércio de Emissões (ETSs). O estudo aponta ainda que 23% de todas as emissões de gases de efeito estufa estão precificadas, o que gerou cerca de US$ 84 bilhões em 2021- 60% a mais do registrado no ano anterior.

 

Quatro novos instrumentos de precificação de carbono foram implementados desde o lançamento do relatório: um no Uruguai e três na América do Norte (Ontário, Oregon, New Brunswick). Os países que anunciam planos para novas políticas de precificação de carbono incluem Israel, Malásia e Botsuana.

 

De acordo com Paulo Camillo Penna, presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), desse total, dois terços foram negociados em comércio de emissões. “A adesão a esse sistema vem ganhando força e sendo usada de maneira a mitigar as emissões e combater as mudanças climáticas”, explica. Segundo ele, há consenso sobre a necessidade de um marco regulatório, com aval do Congresso Nacional.

 

O entendimento é de que o mercado regulado oferece um ambiente de segurança jurídica e confiança. Regras claras, garantia de monitoramento e governança permitem que as empresas consigam escolher qual a melhor estratégia e quais medidas precisam ser adotadas para reduzir as emissões de CO2, por exemplo.

 

No Brasil, mercado voluntário é diversificado, pulverizado, fragmentado e sem metas

Mesmo sem regulação, o Brasil já tem caminhado nessa direção com um mercado voluntário. Gerente de Clima e Energia da Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Juliana Falcão ressalta que esse mercado é atualmente diversificado, pulverizado, fragmentado e sem metas.

 

“Ele tem crescido em função das estratégias de neutralidade climática que as empresas estão adotando, além de ser uma oportunidade para quem quer reduzir as suas emissões e não consegue fazê-lo dentro do seu próprio processo”, explica.

 

Falcão, entretanto, destaca que o Brasil poderá ter mais oportunidades em um mercado regulado, sustentado por uma lei de fundamentação. “É o Executivo quem implementa, apesar da participação necessária do Legislativo e uma forte articulação com o setor privado. Uma lei de fundamentação é básica em qualquer mercado ETs Cap and Trade”, destaca.

 

Ela pontua que a discussão no Congresso Nacional sobre o mercado regulado de carbono é justamente sobre governança. “Entendemos que uma governança bem estabelecida vai ajudar no estabelecimento de um mercado efetivo”, resume.

 

Gerente de Clima e Energia da Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Juliana Falcão, durante evento Economia de Baixo Carbono, promovido pela CNI, em agosto de 2022

 

Monitoramento, Relato e Verificação (MRV) é a pedra fundamental

Em relação à experiência europeia, a vice-chefe da Unidade de Coordenação de Políticas ETS e Mercados Internacionais de Carbono na Direção-Geral de Ação Climática da Comissão Europeia, Polona Gregorin, destaca que é fundamental uma infratestutura capaz de monitorar, relatar e verificar as emissões e também de registro que assegure uma responsabilidade robusta em relação a elas.”A primeira lição que aprendemos foi a de que a ausência de dados confiáveis de emissão impede estabelecer um limite de emissão. Em seguida, vimos que é preciso garantir um monitoramento adequado. O MRV (Monitoramento, Relato e Verificação) tem que ser robusto, transparente, consistente. Usamos as mesmas regras do mercado financeiro. Então, cada permissão de emissão está relacionada e é uma espécie de instrumento financeiro”, explica Gregorin.

 

Implementação do comércio de crédito de carbono exige integração entre setores

No México, o modelo de mercado regulado que está em implementação também se sustenta no mercado financeiro. Lá, segundo o diretor de Operações da Bolsa Mexicana de Valores, David Colín, o processo de governança foi liderado pelo órgão regulador, que é o Ministério do Meio Ambiente. De acordo com ele, a pasta se encarregou de definir as regras e fazer a ponte com o setor privado. Foi criado um comitê consultivo responsável por fornecer uma perspectiva de diferentes ângulos sobre o desenvolvimento do mercado. O órgão é composto pelo setor público, pela indústria, por membros não-governamentais e observadores.

 

Para implementar a política na bolsa mexicana de valores, Colín afirma que foi feito um exercício de mercado, com participação de empresas reguladas e outras não. A partir desse exercício hipotético, as empresas puderam observar como obter acesso aos benefícios do mercado de carbono, incluindo-se nesse mercado ou não.

 

“Outros desafios que eu poderia mencionar são o cumprimento e o desenvolvimento dos componentes da infraestrutura necessária. O sistema MRV também é essencial para que o operacional funcione. Sem o apoio das empresas, das organizações e dos participantes dessas entidades, o mercado poderia se complicar”, diz.

 

No Brasil, o mercado regulado pode estimular inovação e competitividade

A meta do Brasil, estabelecida no Acordo de Paris, é de reduzir suas emissões em 37% até 2025 e, 50% até 2030, tendo como base as emissões de 2005.

 

“O Brasil tem, na criação de um mercado de carbono, um mecanismo que pode contribuir muito para o cumprimento de seus compromissos climáticos e ainda apoiar as empresas em seu processo de modernização por meio da descarbonização, eficiência energética e competitividade internacional em um mundo de baixo carbono”, diz Monique Gonçalves, gerente sênior de Relações Corporativas e Assuntos Regulatórios da Shell Brasil, em artigo publicado no Indústria Verde.

 

Leia aqui a íntegra do artigo aqui.

 

A indústria brasileira defende um sistema no método cap and trade. A partir desse modelo, os setores regulados são obrigados a reduzir as suas emissões com a limitação (cap) e são autorizadas a transacionar permissões com outras empresas (trade). Neste caso, a empresa que ultrapassar seu limite tem permissão para comprar de quem não utilizou todo seu montante e está disposto a vender seus créditos.

 

De forma simplificada, nesse mercado regulado de carbono, uma empresa com limite de cinco toneladas de carbono que emitiu apenas duas toneladas pode vender as três toneladas excedentes para uma empresa que também tem permissão de emitir de cinco toneladas, mas emitiu oito. Na avaliação da CNI, esse método estimula a inovação e a competitividade, sem aumentar a carga tributária.

 

“Mercado de carbono: o que o Brasil pode aprender com a experiência internacional” é o terceiro texto de série especial que o Indústria Verde publica, durante os meses de setembro e outubro. O foco são os quatro pilares eleitos pela indústria como fundamentais para o país avançar rumo a uma economia de baixo carbono. A série começou falando da importância da conservação florestal e depois abordou oportunidades e desafios da economia circular. O conteúdo apresentado foi feito com base no evento Estratégia da Indústria para uma Economia de Baixo Carbono, promovido pela  Confederação Nacional da Indústria (CNI) , nos dias 16 e 17 de agosto, que reuniu especialistas do Brasil e do exterior.

 

Da Agência de Notícias da Indústria