À espera da recuperação da economia em 2021

4/01/2021   11h38

 

A recuperação da economia no segundo semestre de 2020 deve se manter ao longo do próximo ano, com um maior ritmo de crescimento a partir de julho. Entretanto, ainda há muitas incertezas sobre o cenário político para 2021, principalmente em relação ao compromisso do governo Jair Bolsonaro com o ajuste fiscal, a aprovação de novas reformas estruturais como a tributária e a adoção de medidas para conter o desemprego, que deve aumentar ao longo dos próximos meses.

 

Também contribuem para esse quadro de incertezas a indefinição sobre a manutenção do auxílio emergencial, ainda que num valor menor e somente nos primeiros meses de 2021, e a disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em fevereiro. Na área sanitária, o progresso nas vacinas contra a Covid-19, que começaram a ser aplicadas na Europa em dezembro, é uma notícia positiva, mas ainda há dúvidas sobre como os novos casos da doença poderão impactar a economia mundial e brasileira.

 

A economista da gestora Garde Asset, Natalie Victal, afirma que a questão fiscal é o principal desafio da área econômica a ser resolvido pelo governo federal no próximo ano. Segundo ela, houve um aumento da dívida pública no esforço de combater os efeitos da Covid-19, mas ainda não está claro como o governo pretende encaminhar esse tema. “Não sabemos ainda como tudo vai funcionar. Quando a gente conversa com as pessoas em Brasília, os sinais que alguns agentes emitem são conflitantes”, explica.

 

“Dependendo da escolha, vemos um cenário diferente. Caso a escolha seja o comprometimento com a manutenção da sustentabilidade fiscal de médio a longo prazo, o crescimento vai ser um pouco mais lento no primeiro semestre, porque a economia precisa, na nossa cabeça, digerir tudo que aconteceu ao longo desse 2020. Mas se não houver compromisso fiscal, o crescimento será menor”, prevê a economista.

 

A economista Natalie Victal afirma que a questão fiscal é o principal desafio da área econômica a ser resolvido pelo governo federal em 2021

 

“Estamos falando de uma economia que está anestesiada. Você tinha um paciente que estava doente, precisou tomar vários analgésicos e agora precisa se recuperar”, compara Natalie Victal.

 

No início do ano, aposta ela, o crescimento será mais lento e, no segundo semestre, haverá mais espaço para crescer com estímulos monetários. “Setores mais sensíveis à taxa de juros estão decolando bem, como o imobiliário, o da construção civil e o de venda de automóveis”, afirma Natalie, que projeta um crescimento de 3% para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2021, com maior recuperação no segundo semestre.

 

Âncora fiscal

 

O consultor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Marcelo Portugal, diz que os desafios para 2021 são os mesmos de 2020. Segundo ele, isso significa conter a epidemia da Covid-19 na área sanitária e reconstruir o equilíbrio fiscal, que foi abandonado temporariamente neste ano. “Vamos terminar 2020 com um enorme déficit público.

 

O principal desafio, portanto, é conseguir um arranjo político que permita ao governo federal respeitar o orçamento enviado, e ainda não aprovado, ao Congresso. Nele, o teto de gastos é respeitado e o setor público entra em uma trajetória gradual de ajuste fiscal. É um desafio monumental”, reconhece.

 

Para ele, o Brasil precisa manter a regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. “Essa é, atualmente, a única âncora fiscal efetiva da economia brasileira. Sem ela, o câmbio e a inflação continuaram se elevando. Se o Banco Central tiver de elevar os juros para combater a inflação, a situação vai se agravar ainda mais, pois mais juros implicam um maior serviço da dívida pública. Em 2021 temos de vencer um desafio que estamos adiando faz muitos anos: fazer o setor público caber dentro de um orçamento limitado”, defende Portugal.

 

“No Brasil, estamos precisando de um ajuste fiscal significativo”, concorda a economista Vilma Pinto, especialista em política fiscal e pesquisadora licenciada do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), ligado à Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ). “Desde 2014, viemos apresentando déficit nas contas públicas. Havia um processo de melhora bem gradual, com o déficit diminuindo, mas agora, com a pandemia, esse sinal se inverteu completamente. Há muita incerteza do ponto de vista fiscal’’, diz.

 

Entre as incertezas, ela cita a manutenção do auxílio emergencial, tema que vem sendo discutido pelo presidente Bolsonaro com sua base de apoio no Congresso Nacional. “Era para ser uma medida emergencial exclusivamente para preservar a renda das famílias mais suscetíveis aos impactos econômicos das medidas de isolamento social e que agora está vindo com uma nova roupagem, na qual o governo tenta viabilizar isso de forma contínua. Há um risco fiscal de como fazer isso e, ao mesmo tempo, manter o processo de ajuste fiscal gradual dos últimos anos”, pondera a economista do IBRE.

 

“Temos uma expectativa positiva de crescimento da indústria no próximo ano. As pessoas vão voltar para o mercado de trabalho, e temos agendas importantes para garantir a competitividade do país” – Robson Braga de Andrade

Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, “em 2021 temos que criar condições para um crescimento sustentado”. Isso implica, segundo ele, “tomar medidas urgentes”. “As prioridades devem ser aprovar as reformas tributária e administrativa e cumprir o teto de gastos públicos para viabilizar o equilíbrio fiscal”, aponta Andrade.

 

O presidente da CNI ressalta, também, que há outras medidas importantes na agenda legislativa, como o projeto que proíbe o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, principal fonte de fomento à inovação, e a Nova Lei do Gás. Ambos os projetos já estão em estágio avançado de tramitação no Congresso Nacional.

 

No Boletim Macro de novembro, o IBRE estima que 2020 deve fechar o quarto trimestre com desaceleração do ritmo de crescimento. “A redução do valor do auxílio emergencial, a antecipação, para o segundo trimestre, do pagamento do 13º de aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), totalizando R$ 47 bilhões, e a recuperação lenta do mercado de trabalho são as principais forças por trás dessa desaceleração”, detalha o documento.

 

Em termos de perspectivas para 2021, o que preocupa mais é a paralisia na agenda de reformas estruturais e as declarações sobre uma possível extensão de estímulos fiscais no ano que vem, avalia o IBRE.

 

Conforme o boletim, esse quadro de paralisia e pouca preocupação com a deterioração do quadro fiscal prejudica os mercados e limita os ganhos resultantes do aumento do apetite dos investidores pelo risco. “Sem uma solução para o impasse fiscal, as condições financeiras continuarão apertadas, prejudicando a recuperação da economia brasileira em 2021. Além disso, um cenário de maior incerteza fiscal pode tornar os choques inflacionários de curto prazo mais permanentes”, explicam os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos na apresentação do Boletim Macro.

 

Medidas emergenciais

 

O ajuste das contas públicas também foi o foco do painel Perspectivas para a Economia Brasileira, realizado em 18 de novembro, primeiro dia do Encontro Nacional da Indústria (ENAI), com participação da economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, e do economista Eduardo Gianetti. Na avaliação deles, as medidas emergenciais adotadas pelo governo para o enfrentamento à pandemia foram importantes para reduzir os impactos negativos na economia, mas não podem se perpetuar por muito tempo sem conter outras despesas dentro do teto de gastos.

 

Segundo Giannetti, a questão do ajuste das contas públicas é fundamental, ainda mais porque há muitas incertezas em relação à dinâmica da pandemia, o momento em que sairá a vacina para combater o coronavírus e o comportamento de consumidores e investidores. “Precisamos recuperar a confiança na economia brasileira; precisamos dessa ancoragem fiscal, por meio de reforma administrativa, reajuste no salário mínimo sem aumentar o poder de compra, privatizações e concessões e manutenção de taxa de juros baixa”, destacou.

 

Vescovi acrescentou que outro ponto prioritário é a retomada das discussões sobre a reforma tributária para tornar o ambiente mais favorável aos negócios. Para ela, não é necessário aumentar a carga tributária se a sociedade desejar um Estado menor. “Trazer eficiência nesse campo, onde temos ineficiência, poderá trazer aumento da arrecadação via uma economia mais pujante”, disse.

 

O gerente-executivo de economia da CNI, Renato da Fonseca, também cita o cenário de incertezas, mas afirma que as medidas adotadas pelo governo foram importantes para evitar uma queda maior do PIB. Segundo ele, será necessário manter alguns dos estímulos adotados pelo governo. “Os benefícios estão terminando. Dificilmente, o Congresso vai deixar de estender o auxílio emergencial. Você precisa ter todo esse aparato ou vai morrer na praia”, resume.

 

Segundo Fonseca, se uma segunda onda da Covid-19 chegar ao Brasil, novas medidas de isolamento pegariam as empresas e as pessoas mais fragilizadas. “Se houver uma reedição das medidas de distanciamento similares às que tivemos, você pode esperar o mesmo, uma pancada muito forte no comércio. Toda a recuperação irá por água abaixo e você começa tudo de novo”. Mas, independentemente disso, ela também estima que o ritmo de crescimento será menor no primeiro semestre de 2021.

 

“Há um período que vai durar até o final do primeiro trimestre de 2021, com falta de insumos e dificuldade de atendimento de demanda. Isso está espalhado na indústria. Temos um problema de oferta, de desorganização, que é normal numa crise dessas, mas isso leva tempo. O impacto na inflação é temporário. A dificuldade do consumidor em adquirir também é temporária”, comenta Fonseca, que estima uma melhora a partir do terceiro trimestre, com “um crescimento não muito forte”.

 

Nova onda

 

Em relação a 2021, o cenário de curto prazo apresenta algumas interrogações, diz, cauteloso, o economista do Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea), Leonardo Carvalho. “Uma delas diz respeito à possibilidade de uma nova onda crescente de contágio e mortes pela Covid-19, o que poderia significar o retorno de algumas medidas de isolamento e restrições ao funcionamento de algumas atividades. Outra interrogação diz respeito à inflação, cujos efeitos parecem ser menos temporários que o previsto anteriormente, podendo gerar alguma pressão sobre a política monetária”, detalha.

 

Segundo Carvalho, a economia brasileira iniciou uma recuperação até certo ponto surpreendente já a partir do mês de maio. “Tanto a produção industrial quanto o comércio varejista seguem apresentando um desempenho bastante positivo. Ambos os setores já se situam em patamares superiores àqueles observados em fevereiro, período imediatamente anterior ao recrudescimento da pandemia. Já o setor de serviços, cuja atividade foi mais afetada pelas medidas de isolamento social, apresenta uma trajetória de recuperação mais modesta”, diz ele, que espera avanço nas reformas estruturais, no qual inclui a reforma administrativa, e na agenda microeconômica em 2021.

 

Economista do Ipea Leonardo Carvalho avalia que nova onda da Covid-19 preocupa e pode provocar novo isolamento

A exemplo dos demais entrevistados, ele também considera a condução da política fiscal outro ponto de interrogação. “Embora as medidas adotadas pelo governo tenham se mostrado bem-sucedidas no enfrentamento dos efeitos da Covid-19 sobre a renda da população, a busca por um orçamento equilibrado, que resulte numa trajetória da dívida pública não explosiva, continua se fazendo necessária”, afirma o pesquisador do Ipea.

 

Segundo ele, “caso os efeitos de uma possível segunda onda de Covid-19 não surpreendam negativamente, espera-se que o setor de serviços possa apresentar uma recuperação mais vigorosa em 2021”.

 

Levantamento realizado para a CNI pelo Instituto FSB de Pesquisa com executivos de 509 empresas industriais, entre 23 de outubro e 12 de novembro, mostra que 55% dos entrevistados esperam uma expansão da economia brasileira em 2021. Questionados sobre a expectativa para os próximos três meses, essa estimativa cai para 40%. Em relação ao faturamento para 2021, 62% dos entrevistados esperam aumento.

 

Que letra?

 

O ritmo de recuperação da economia ainda é uma grande dúvida e há várias letras que podem descrevê-lo, diz o gerente-executivo da CNI Renato da Fonseca. “Pelo gráfico, a recuperação foi em V, mas não é um V perfeito. O serviço não recuperou, então é K. Mas o que é isso? A grande questão é: vamos conseguir recuperar rápido? Não só o Brasil, mas o mundo todo conseguiu se recuperar rápido. Se você pegar os dados de crescimento de produtos na Europa, na China e nos Estados Unidos, a recuperação foi muito rápida. O problema é que agora, na Europa, está tendo um novo impacto. Você pode dizer que é recuperação em W”, diz Fonseca.

 

Ele lembra que a crise de saúde voltou e que os problemas atuais não foram provocados pela economia. “Houve políticas bastante apropriadas. O governo gastou mais do que poderia, mas era uma exceção, coisa temporária”, defende Fonseca.

 

Raiz quadrada

 

Sócia da consultoria Tendências, a economista Alessandra Ribeiro acrescenta mais um ingrediente nessa sopa de letras para tentar classificar o desempenho da economia brasileira em 2020. “Eu diria que seria uma raiz quadrada. Uma parte da recuperação é relativamente rápida, em alguns setores, mas em outros é bem mais gradual. Não é nem U, nem V. É uma parte rápida e outra mais lenta. A parte de comércio é bem rápida. Já a da indústria e dos serviços é mais lenta”, explica. Para ela, a pandemia ainda será um desafio porque, mesmo com uma vacina, o processo de imunização não será rápido.

 

“Nosso cenário básico é de crescimento, mas há um risco de a pandemia conter o crescimento da economia neste final de ano e no começo do ano que vem. A expectativa é de crescimento, mas a pandemia ainda pode conter esse ritmo. Em relação à questão fiscal, a agenda foi postergada ao longo de 2020 e há algumas incertezas. Meu cenário ainda é de manutenção do teto, mas tem também um programa tipo Renda Brasil, que seria uma extensão do Bolsa Família. Ele é bem menor do que um auxílio emergencial, mas tem algo nessa linha, dada nossa restrição fiscal”, justifica Alessandra Ribeiro.

 

Para o presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), Maurício Salvador, setor que cresceu no período da pandemia, o cenário global para 2021, com a chegada da vacina, é promissor.  “Há muita liquidez global mais propensa a risco em mercados emergentes. O investimento estrangeiro já começou a entrar forte no início de novembro e deve continuar no ano que vem. Como sempre, temos um trabalho de casa a ser feito, do ponto de vista de ajustes fiscais e reformas. Se fizermos a nossa parte, o Brasil realmente terá um ano de forte recuperação e crescimento”, estima.

 

Para o dirigente da ABComm,  os investidores estão mais abertos a tomar riscos e isso vai beneficiar o Brasil na rota do capital global. “Com a retomada à vida normal e a chegada da vacina, o consumidor também estará mais confiante e o consumo aumentará. A economia volta a girar e os setores que ficaram mais prejudicados, terão uma demanda reprimida maior, tais como eventos e turismo. A economia digital teve um crescimento surpreendente durante a pandemia. Mais de 6 milhões de brasileiros compraram pela primeira vez na internet entre abril e julho. Mais de 150 mil empresas abriram lojas virtuais nesse mesmo período”, explicar.

 

Editora da Carta Agro do Ipea, a pesquisadora Ana Cecília Kreter chama a atenção ainda para as exportações agrícolas, que podem ser afetadas em função das críticas internacionais ao aumento do desmatamento no Brasil, principalmente para a Europa. “Os dados mostram que, neste ano, houve queda nas exportações de frutas e até mesmo carne. Quanto a gente olha para o que o Brasil está exportando, o desempenho do setor só não foi pior porque a China comprou muito e compensou quedas em outros mercados”, diz.

 

Além disso, a posse de Joe Biden nos Estados Unidos deve aumentar as pressões internacionais para mudanças na política ambiental brasileira. “O  governo vai ter que mostrar medidas mais concretas para tentar evitar qualquer efeito negativo, seja para exportações ou investimentos”, alerta Alessandra Ribeiro, da Tendências. Em poucos dias, saberemos que letra 2021 estará desenhando para o país.

 

Fonte: Portal da Indústria – Agência CNI

 

Postagem: Jô Lopes – Unicom/FIERN