Burocracia no acesso ao crédito dificulta retomada da indústria no RN

15/07/2020   13h29

 

A retomada gradual das atividades econômicas no Rio Grande do Norte, após período de isolamento social em virtude da pandemia de Covid-19, ainda é lenta para a indústria potiguar que enfrenta dificuldades com o acesso ao crédito. Mesmo com queda na demanda e prejuízos, o setor manteve alguma produção e acredita que a estratégia de reabertura – obedecendo os protocolos de biossegurança preconizados por autoridades de saúde, de forma coordenada nas esferas de governo – terá resultados mais eficientes com a desburocratização para concessão do crédito.

 

A crise gerada pela pandemia do Coronavírus levou o governo federal a anunciar linhas de financiamento emergencial e bancos públicos e privados passaram a oferecer, nos últimos meses, uma série de novas linhas de crédito para pequenas e médias empresas impactadas pela queda da atividade econômica, seja para capital de giro, pagamentos de salários e outras despesas operacionais. Contudo, empresários e entidades da indústria potiguar reclamam que o recurso não tem chegado à ponta final devido a burocracia e exigências dos bancos.

 

Para o setor de pesca extrativista, na prática, a retomada da economia ainda não ocorreu, seja pela logística de distribuição seja pela dificuldade de crédito para manter as atividades. O setor precisou demitir pessoal e mantém 30% da frota de embarcações em atividades, com tendência a paralisar totalmente nos próximos meses, caso não tenha acesso as linhas de financiamento, conforme explica o presidente do Sindicato da Indústria de Pesca do Estado do Rio Grande do Norte (Sindipesca), Gabriel Calzavara. Cerca de 80% das operações de escoamento são pelo modal aéreo, que não retomou os voos regulares devido a pandemia do novo Coronavírus.

 

 

 

“Chegamos a uma situação de estrangulamento pela queda na demanda e pela logística e podemos parar por completo. O setor de pesca extrativista, gerador de emprego e renda que movimenta 12 arranjos da cadeia produtiva, precisa de capital de giro, de suporte para esses três meses, para o custeio das embarcações, para a folha de pagamento, para manter empregos”, enfatiza Calzavara. “Estamos nos reunindo com superintendentes dos bancos do Nordeste, do Brasil e Caixa para saber por que o crédito não chega ao setor. Há muita burocracia e exigência de garantias. Chegamos ao limite”, completou o presidente do Sindipesca/RN.

 

O presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem do Estado do RN (SIFT), João Lima, lembra que as linhas criadas pelo governo federal auxiliam em especial as micro e pequenas empresas, mas que a morosidade e os trâmites e garantias exigidas dificultam a tomada do crédito. E, para as empresas de grande porte, a situação é mais desafiadora. “As linhas existem, foram criadas com foco nas pequenas neste período de pandemia. Para as grandes, é ainda mais complicado, os custos de produção, o custo Brasil é alto, há muita burocracia, não é fácil. Os juros mais baixos têm ajudado as empresas, mas é preciso reduzir os custos, facilitar o acesso ao crédito para as empresas e, assim, a economia voltar ao seu ritmo”, disse João Lima.

 

 

 

A indústria têxtil e de confecções, acrescenta ele, não precisou encerrar atividades no Rio Grande do Norte devido a pandemia e tem adotado todas as medidas necessárias para assegurar os cuidados com os trabalhadores. “É uma obrigação do setor fazer com que os protocolos de biossegurança sejam seguidos. O setor vem agindo de forma segura e tem feito bem mais que o exigido pelo governo porque entendemos que nosso maior patrimônio é o nosso colaborador”, afirmou.

 

O setor petroleiro no Rio Grande do Norte, que passa por uma restruturação após desinvestimentos da Petrobras, tem enfrentado ainda mais dificuldade no período de pandemia. O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do RN (SIMETAL), Francisco Vilmar Pereira, conta que a dificuldade maior das empresas tem sido segurar a mão de obra qualificada sem ter, até então, conseguido que o dinheiro devido aos entraves dos bancos para a concessão que fazem com que o crédito não chegue às empresas. “Até agora só tivemos a divulgação desses bilhões em recursos para financiar folha de pagamento, porque não chegou em Mossoró. Estamos buscando os bancos (BNB, BB e CEF) para ver o que pode ser feito. Nosso quadro de pessoal é especializado, precisamos manter e não dispensar, mas enfrentamos dificuldade na manutenção desses empregos”, afirma Vilmar Pereira. No final de março, o governo federal anunciou linha de crédito para bancar a folha de pagamento por dois meses, num total de R$ 40 bilhões.

 

 

Vilmar Pereira lembra que a Petrobras tem tomado todos os cuidados normatizados de segurança com os profissionais, sobretudo nas atividades de perfuração off-shore, onde há o confinamento para as operações. O setor petroleiro é responsável por 40% do PIB industrial do estado. O presidente do SIMETAL destaca a importância da economia voltar, aos poucos, a operação. “A retomada das atividades é necessária e bem vista pela indústria, comércio, serviços e pela população”, disse.

 

A reabertura progressiva das atividades econômicas no estado chega com atraso, na avaliação do vice-presidente do Sindicato da Indústria da Extração do Sal no Estado do Rio Grande do Norte (SIESAL-RN), Airton Torres. Para ele, é preciso tentar recuperar o tempo perdido, cuidando, efetivamente, de manter as medidas de prevenção. O setor salineiro aplicou com rigor todas as medidas dos protocolos de biossegurança que foram instituídas pelos governos em todos os níveis e teve a adesão de todos os funcionários. Sobre as dificuldades de acesso ao crédito no período de pandemia, ele afirma que são tantas que o dinheiro acabou não chegando às empresas. “O excesso de burocracia, a morosidade e a excessiva exigência de garantias foram as principais causas”, observa Torres.

 

 

Mesmo com as empresas adotando medidas emergenciais, autorizadas pelas Medidas Provisórias 927 e 936 do governo federal, como antecipação de férias, redução de salários e jornadas de trabalho, o presidente do Sindicato da Indústria de Instalação e Manutenção de Redes, Equipamentos e Sistemas de Telecomunicações (Sindimest), Alberto Serejo, pondera que há dificuldades geradas com a redução do fluxo de caixa. “Há um defluxo de caixa. Além de queda de receita que muitas empresas enfrentam, foi preciso usar dinheiro para antecipar férias de funcionários. Do outro lado, muita burocracia, prazos, exigência de garantias pelos bancos até se conseguir o crédito”, observa Serejo.

 

 

 

O presidente do Sindimest espera que a economia potiguar se recupere em velocidade maior que a prevista. E conta que as empresas têm se adequado aos protocolos para se manter funcionando em segurança. “Aqui, na empresa, estamos inclusive disponibilizando carro para que os nossos funcionários evitem usar o transporte público, além das demais medidas de segurança”, afirma o empresário.

 

O CEO da BQMIL Brasil Química e vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Extração de Calcário, Fabricação de Cimento, Cal e Argamassa (SINECIM), Marcelo Rosado, avalia que a retomada da economia tem se dado com boas perspectivas de retorno ao faturamento para o setor, após efeito devastador de ameaças de lockdown – versão mais rígida do distanciamento social, quando a recomendação se torna obrigatória. “As indústrias em geral estão sinalizando a disposição em programação de compras de matéria prima na área de mineração. Porém, o nosso setor foi muito impactado com a falta de liquidez e investimentos, que já vinha se acumulando com as sucessivas crises, e a ameaça imediata do lockdown foi devastadora em nosso seguimento”, frisa.

 

 

 

Por isso, o industrial enfatiza a urgência dos bancos flexibilizarem as condições de concessão de crédito. “É importantíssimo uma política desburocratizada e uma avaliação especial, diferente, customizada na concessão e garantia de crédito às empresas. Algo como foi feito na legislação trabalhista nesse período da pandemia, que possibilitou a adesão das empresas que atenderam as condicionantes do programa. A legislação financeira atual praticada pelos bancos, deixa o sistema de financiamento inacessível para a grande parte das empresas enquadradas como médias e pequenas”, disse Rosado. A política de biossegurança adotada, segundo ele, não tem encontrado resistência pelas empresas conscientes da necessidade de solução na prevenção.

 

Por Sara Vasconcelos, jornalista Unicom/FIERN