A regulação é fundamental para o bom funcionamento da economia e da sociedade. Contudo, a elaboração das normas que regulamentam os setores produtivos produz custos que, quando são maiores que os benefícios, resultam em saldo negativo para as empresas e comprometem o desenvolvimento do país.
Com mais de 200 reguladores e a publicação de mais 850 normas por dia, o Brasil tem um ambiente regulatório confuso e difícil de navegar, principalmente para as micro e pequenas empresas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que, somente em 2023, o custo regulatório consumiu R$ 243,7 bilhões da indústria, o que equivale a 4,1% da receita líquida do setor.
O valor se refere aos gastos das empresas com adequação às normas às quais estão submetidas, como a obtenção de licenças, autorizações e certificações obrigatórias, a contratação de serviços terceirizados para o cumprimento de obrigações e adequação às exigências regulatórias e perdas por paralisações na produção devido a atrasos na concessão de licenças e alvarás.
Para discutir essas questões e debater melhorias em relação ao processo regulatório no país, a CNI co-realiza nesta quarta-feira (21) do 2º Encontro de Reguladores com o Setor Produtivo. O evento é uma parceria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), CNI, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Na abertura, o vice-presidente da CNI, Léo de Castro, destacou que, apesar de despercebida, a agenda regulatória é um tema de grande relevância e com potencial de influenciar a competitividade e o desenvolvimento do país.
“Uma regulação de qualidade aponta diretrizes e estabelece procedimentos que promovem a segurança jurídica, trazendo benefícios a toda a sociedade. Normas claras e bem concebidas são essenciais para a melhoria do ambiente de negócios, a expansão da indústria e o desenvolvimento econômico”, disse o dirigente, que também apontou que a melhoria do ambiente regulatório é passo fundamental para o combate ao Custo Brasil.
Segundo estimativa do Movimento Brasil Competitivo (MBC), em 2022 o déficit na qualidade regulatória brasileira, em comparação com os demais países da OCDE, acarretou um custo de R$ 65,6 bilhões ao ano para as empresas. Portanto, para que o Brasil tenha as mesmas condições de competitividade dos países da OCDE, precisa reduzir em 27% os custos regulatórios.
O vice-presidente da CNI aproveitou a oportunidade para apresentar o documento Visão da Indústria sobre a Qualidade Regulatória, que contempla propostas para melhoria do ambiente de negócios.
Elaborado com a contribuição de 30 associações setoriais, 16 federações da indústria e 50 especialistas, identifica os principais gargalos e indica diretrizes para melhoria da qualidade do processo regulatório, em cada um dos seguintes aspectos:
“O aprimoramento do ambiente regulatório do país é um trabalho extenso e complexo, que requer a dedicação de todos nós. Estou certo de que com diálogo e entendimento entre reguladores e regulados poderemos ter regras claras e eficientes, que atendam aos anseios das empresas e de toda a sociedade. Vejo nesse encontro um fórum profícuo para a troca de experiências e para o Brasil avançar na adoção das boas práticas regulatórias, e a CNI é parceira nessa empreitada, como tem sido parceira em toda a agenda de desenvolvimento do país”, completou Léo de Castro.
O dirigente da CNI falou ainda sobre a importância do CODEX, ferramenta que serve para melhorar o ambiente regulatório. O instrumento tem como objetivo reunir decretos, portarias, instruções normativas e demais normas infralegais em uma única plataforma.
Léo de Castro pediu prioridade para conclusão do projeto, em desenvolvimento sob liderança da Casa Civil da Presidência da República. “O CODEX é fundamental para a indústria, pois facilitará o acesso e o entendimento sobre as regras que precisam ser seguidas”.
Veja a íntegra do documento:
Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória – Regula Melhor
A secretária de Competitividade e Política Regulatória do MDIC, Andrea Macera, destacou que a agenda de melhoria regulatória é uma agenda de transformação do Estado, e que o Brasil tem feito progressos importantes nessa área.
Ela enfatizou que a instituição da Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória, por meio do Decreto nº 12.150 publicado pelo governo federal nesta terça-feira (20), vai ajudar a estabelecer e difundir boas práticas regulatórias com foco no cidadão, promovendo a evolução contínua do processo regulatório, assegurando os interesses da sociedade e melhorando o ambiente de negócios.
“A melhoria regulatória nada mais é do que o esforço para tornar as regulações mais eficazes, menos onerosas e mais adequadas às necessidades da sociedade. A regulação deve enfatizar não apenas a eficiência e a redução dos custos, mas também a promoção da transparência, da participação pública e da responsabilidade social”, disse.
Também participaram da abertura do evento o secretário-executivo do MDIC, Márcio Elias Rosa, a secretária-adjunta de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Kathyana Buonafina, o secretário federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União (CGU), Ronald da Silva Balbe, o diretor da ABDI, Carlos Geraldo Santana de Oliveira, e o representante do BID, Morgan Doyle.
Painéis debatem inovação e participação da sociedade
Na parte da tarde, três painéis reuniram especialistas nacionais e internacionais para debater mais profundamente aspectos relevantes relacionados ao processo regulatório, dialogando sobre desafios, perspectivas e as experiências.
O primeiro painel abordou como a aceleração da inovação se insere no campo da regulação. Mediado pelo procurador federal Bruno Portela, da Advocacia-Geral da União, debateu especialmente o uso de ferramentas como o sandbox regulatório – ambiente experimental em que o órgão regulador permite que empresas operem com regras diferentes das demais, por um período determinado, para possibilitar o teste de alguma inovação.
Andres Martinez, especialista em Regulação da Divisão de Política Regulatória da OCDE, destacou a importância da inovação, mas alertou para a necessidade de evidências para evitar distorções e erros.
“Temos que inovar e promover a inovação, mas para que possamos tomar a decisão mais acertada, precisamos coletar evidências e dados para minimizar erros em potencial. Antes de entrar em ferramentas sofisticadas como sandbox, precisamos das ferramentas básicas, como Análise de Impacto Regulatório (AIR)”, disse.
Rafael de Fassio, procurador do Estado de São Paulo, também ponderou sobre o uso do sandbox regulatório. “Temos muita coisa boa que pode ser implementada sem precisarmos de programas que têm custos e podem não ser tão efetivos”, argumentou.
A diretora de Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABHIPEC), Ariadne Morais, falou sobre a importância do sandbox para o setor que representa. “Para nossa alegria, o setor de cosméticos será piloto de um projeto da Anvisa que envolve o uso do sandbox regulatório, o que traz diferencial gigantesco, já que temos muitos atores envolvidos nesse processo”, disse. Ela explicou que o Brasil é o terceiro maior mercado de consumo e o segundo país que mais lança produtos desse tipo no mundo e que esses produtos, além de estarem sujeitos a regulamentos municipais, estaduais e federais, novos ingredientes e tecnologias devem ser analisados também no âmbito do Mercosul.
Kathleen Krause, chefe-adjunta de Unidade do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do Banco Central do Brasil, trouxe alguns exemplos de ferramentas utilizadas pela instituição, entre os quais, o sandbox e o Open Finance. Para ela, a discussão sobre inovação no processo regulatório passa, necessariamente, pelo diálogo. “A regulação é o instrumento mais importante para garantir a segurança, mas isso só se consegue através do diálogo”, disse.
Simplificar processos pode ajudar a reduzir custos
O segundo painel discutiu mais detalhadamente os custos regulatórios, e os debatedores apontaram a necessidade de simplificar o processo regulatório. O vice-presidente da CNI, Léo de Castro, que mediou o diálogo, disse que o setor produtivo precisa se aproximar mais do regulador e levar sua percepção de realidade e pragmatismo para sensibilizar sobre a necessidade de uma regulação mais acessível.
Andressa Oliveira, assessora de Compliance da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, chamou atenção para as dificuldades enfrentadas pelas empresas de pequeno porte com as barreiras impostas pela regulação.
“Uma empresa de pescado de Manaus, por exemplo, para vender em mercados do centro do país, precisa de inspeção municipal, estadual e federal. Mas se o produto é bom para a população do município, por que precisa passar por duas outras inspeções?”, questiona. Andressa defendeu tratamento diferenciado para as empresas de menor porte, e um debate mais amplo pela sociedade sobre o tema.
O painel também contou com a participação de Javier Ramiro Reyes, especialista do BID, que destacou que o aprimoramento do processo regulatório deve ser encarado como uma oportunidade de atuar melhor, e que isso resulta em maior competitividade. Ele apontou a importância uma agenda regulatória transparente, pública e discutida amplamente por todas as partes e a utilização de ferramentas digitais e processo mais simplificados.
Alketa Peci, professora da FGV EBAPE, falou sobre a tendência do excesso de burocracia envolvido nos processos regulatórios no Brasil, o que, segundo ela, faz parte da cultura administrativa do país. “Precisamos resgatar a essência da melhoria regulatória para melhorar o processo de tomada de decisão. São muitas camadas, não é fácil navegar no ambiente burocrático brasileiro. O desafio é muito complexo”, disse.
Daniel Valadão, superintendente da Seccional de Desenvolvimento e Modernização Institucional da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), contou como a instituição enfrentou os desafios dos custos regulatórios relacionados à indústria de fundos de investimento. Para buscar a eficiência, a CVM realizou uma pesquisa qualitativa para identificar custos com exigências redundantes e uma pesquisa quantitativa para identificar o que produzia maior custo. Dessa forma, conseguiu medir e mapear os custos e implementaram medidas para reduzir os gastos.
Participação da sociedade garante diversidade e equilíbrio
O terceiro painel debateu outro aspecto fundamental da regulação, a participação social. Mediado pela professora Natasha Salinas, da FGV Direito Rio, debateu formas de ampliar e qualificar a contribuição da sociedade na construção dos normativos.
Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), disse que os recursos públicos são essenciais para garantir uma participação da sociedade civil cada vez mais qualificada tecnicamente nos processos de participação social para fins da construção dos normativos regulatórios.
O diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), Alexandre Novachi, destacou que cada ator (governo, sociedade e setor produtivo) tem seu papel e importância quanto à participação social no processo regulatório, e que não há pesos diferenciados, todos são igualmente relevantes.
Vinícius de Sá e Benevides, presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), disse que o tema é tão prioritário para a instituição que ensejou a criação de uma câmara técnica. Para o dirigente, a inclusão de diferentes vozes no processo de construção de normas regulatórias qualifica e dá mais diversidade e as propostas ficam mais robustas e equilibradas.
“A participação social é fundamental para tornar as decisões regulatórias mais transparentes, responsáveis e alinhadas ao interesse público”, constatou.
Já o codiretor do GW Regulatory Studies Center da Columbia College of Arts & Sciences, Steven Balla, falou sobre a importância do engajamento dos atores. Ele deu como exemplo uma iniciativa do governo do presidente norte-americano Joe Biden que busca garantir a equidade no processo regulatório. Para engajar mais e melhor, explicou, a Casa Branca criou três recomendações: disseminar informação sobre como submeter comentário eficaz; aumentar melhoria de documentos regulatórios, tornando a linguagem mais simples e acessível; e engajar os atores desde o início do processo.