Número de projetos de energia eólica offshore cresce e há desafios para atender a essa indústria de gigantes, diz diretor do ISI-ER

29/04/2022   10h26

 

O Brasil elevou de 36 para 54 o número de projetos de energia eólica previstos para o mar – os chamados complexos eólicos offshore, que estão, no país, à espera dos primeiros licenciamentos. O crescimento foi verificado entre os meses de janeiro e abril e eleva para 133,33 Gigawatts (GW) a potência total programada para sair do papel nessa nova frente de investimentos.

O mapa de projetos, revelando a expansão, foi divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e indica que os empreendimentos analisados para a costa nacional já correspondem a 70% da capacidade atual instalada pelo setor elétrico, incluindo todas as fontes de energia.

Nesta entrevista, o diretor do Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), Rodrigo Mello, faz uma análise da curva ascendente de interesse dos investidores, explicando que o “apetite” é puxado especialmente pela demanda internacional de energia e que os desafios brasileiros vão “de montar a cadeia logística, e de serviços, à formação de pessoas para atender a essa indústria de gigantes”.

O Instituto é pioneiro em estudos do potencial offshore no Brasil e tem diversos trabalhos em desenvolvimento atualmente nesse campo.

Mello analisa as perspectivas de projetos com um olhar global, mas em especial também sobre o Rio Grande do Norte,  líder nacional em geração de energia eólica em terra e detentor, segundo o Ibama, de 12% da capacidade prevista nos complexos offshore – ou 15,85 GW.

A potência representa o dobro do que há atualmente instalado em parques eólicos terrestres no estado e está distribuída em um total de 1090 aerogeradores, as turbinas que converterão a energia dos ventos em energia elétrica.

Ao todo, sete estados aparecem no mapa dos licenciamentos para implantação no mar. Além do RN, Ceará, Espírito Santo, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina se movimentam.

 

ENTREVISTA – Rodrigo Mello, diretor do ISI-ER e do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), do SENAI-RN.

 

Que análise o senhor faz desse novo mapa do offshore, que mostra um interesse ascendente dos investidores pelo Brasil, se espalhando por mais estados, com muito mais projetos e com uma potência prevista muitas vezes superior a que o país tem, de forma geral no setor elétrico, e também em parques eólicos em terra atualmente (21 GW)?

Tem uma coisa muito interessante, que é a velocidade de crescimento certamente, ou claramente, decorrente da necessidade internacional de energia e da forma como o mundo está enxergando o Brasil como um grande provedor desta demanda energética internacional. O Brasil, que tem cerca de 180 GW de capacidade instalada (considerando todas as fontes de energia), no final de dezembro de 2021 tinha 40 GW em projetos protocolados no Ibama para licenciamento ambiental no offshore, ao final de janeiro dobrou essa capacidade e agora, no dia 20 de abril, já está com 133 GW, ou seja, colocando mais 50 GW de potência em projetos solicitando licenciamento ambiental. Isso, em uma atividade que ainda não existe em funcionamento no país, que ainda está em regulamentação, os projetos totalizam mais de 70% da capacidade instalada de energia do Brasil. E isso claramente é uma energia que o Brasil não irá usar de forma doméstica.

 

O senhor acha que esse interesse crescente dos investidores é puxado principalmente pela demanda mundial?

Estes produtores não estão buscando produzir essa energia para o consumo interno brasileiro. Certamente, muito em breve essa energia será um produto que irá impactar nossa balança de exportação de forma positiva, respondendo a esse momento que o mundo está demandando de energia, em especial a Europa, também devido ao conflito que existe no Leste Europeu. Sem dúvida não haveria um interesse de instalar 70% da nossa capacidade atual para produzir energia para o Brasil. Quem vai consumir isso? considerando que já há uma previsão orgânica de crescimento das fontes que estão instaladas internamente no onshore brasileiro (em terra). Nos próximos cinco anos há um volume importante de projetos já contratados de eólicas onshore, de solar, térmicas previstas para o Brasil afora, então essa produção offshore não é prevendo o fornecimento para o mercado doméstico. É prevendo a demanda internacional de energia.

 

Que sinal isso dá a potenciais cadeias produtivas e a pessoas que querem ter oportunidade de trabalho, considerando a perspectiva de que as coisas na indústria offshore aconteçam e ganhem forma no Brasil até 2030 – período em que devem ser realizados os primeiros leilões e em que se prevê o início da produção de energia no mar efetivamente, segundo estimativa da ABEEólica?

O Brasil tem o desafio de montar a cadeia logística, a cadeia de serviços e a formação de pessoas para atender a essa cadeia de gigantes. Há previsão de que antes do final dessa década estejam comissionados os primeiros parques e será necessário que essa cadeia exista – aí haverá oportunidades de todas as formas. Desde o mecânico especializado no offshore, desde o fornecedor de alimentos no offshore, até fornecedor de grandes estruturas, como plataformas, bases, para o trabalho no mar. Todos os serviços especializados e diferentes do que se tem hoje em terra. Não serão fornecedores que hoje já fazem isso pra terra que automaticamente farão isso para o mar. Mas certamente novos fornecedores para atender ao offshore, com expansão de serviços e oportunidades.

 

Em outros países, trabalhadores das indústrias do carvão e de óleo e gás serão retreinados para ocupações na indústria de energia limpa ou esperam-se movimentos de migração para a atividade. No Brasil seria opção?

O ISI-ER e o CTGAS-ER têm se preocupado com isso e têm, inclusive, com os nossos projetos de desenvolvimento de soluções de PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação) levado em consideração o que se chama de tropicalização da atividade. Então a gente tem trazido soluções, e durante esse desenvolvimento observando as condições de funcionamento em condição de Brasil. Mas não só no que diz respeito ao rendimento de equipamentos, ao que muda, o nosso mar, que é diferente, o nosso vento diferente, os equipamentos que aqui trabalham e produzem de forma diferente do que acontece em outras partes do mundo. Mas também observando quais são os perfis profissionais que serão necessários para desenvolver aqui, para as condições brasileiras, para que o SENAI possa responder a isso ofertando capacitações. No caso da indústria de óleo e gás, diferente de outros países, o Brasil está com uma velocidade crescente também no desenvolvimento dessa indústria no offshore. O Brasil está crescendo muito. A produção de óleo e gás no pré-sal está em expansão. Então não há esse remanescente, esse estoque de profissionais da indústria de petróleo offshore, ela não está desempregando pessoas.

 

O senhor está dizendo então que aumenta o desafio do Brasil, porque a indústria offshore de energia eólica nasce em um momento em que outra indústria offshore, a do petróleo, está crescendo? Ou seja, será preciso formar profissionais do zero?

Exato. A gente não tem esse estoque para requalificar, redirecionar ou reposicionar a vida profissional. Porém, é verdade que existe uma cultura no Brasil de formação de profissionais para o offshore. Os perfis profissionais se parecem muito com os perfis profissionais do óleo e gás que trabalham no offshore. Então a gente parte não do estoque para requalificar, mas de uma cultura de qualificação para esses profissionais do offshore. O Brasil não partirá do zero. Isso é muito firme. O país já tem competência para formar essas pessoas. Mas não as pessoas para serem requalificadas. Isso por um lado é muito bom e por outro traz um desafio maior porque tem que formar do zero.

 

Se nós formos fazer uma análise mais regional, há projetos distribuídos em três regiões do país – Nordeste, Sudeste e Sul. Será pioneiro o estado que tiver mais agressividade para a atração de investimentos?

Primeiro você observa que esse movimento está muito voltado para o leste brasileiro, que é onde se conhece mais as condições do vento. Tanto que o ISI-ER está levantando as reais condições de produção no offshore para a Margem Equatorial brasileira. Poucos dados existem aí e por consequência disso as empresas têm demonstrado pouco interesse ainda. O segundo fato é em que pese o RN ter uma condição ótima, melhor que os outros estados, nós temos uma costa muito pequena, quando você compara com outros estados e aí você compara com o Rio de Janeiro, por exemplo, que também tem uma costa pequena. No Rio de Janeiro, por exemplo, já existe uma atividade offshore muito intensa. Então há uma expectativa na região de que se aproveite muito uma logística já pré-existente para a fundação, o início dessas atividades. Parte dessas empresas são petroleiras que já trabalham no offshore carioca. E acho que nessa atividade se terá menos importância a agressividade de cada estado em busca da geração de ambiência. Porque essa é uma atividade em que os relacionamentos institucionais são diretamente com a União e menos com os estados. A não ser o apoio logístico, fomentando os outros elos da cadeia para que funcione bem, como portos, empresas, fornecimento de alguns equipamentos, serviços em especial. A atratividade, a intervenção do estado na atração desses investimentos é limitada, porque o relacionamento das licenças, regulações se dará diretamente com a União.