Presidente da FIERN defende o Sistema S em entrevista à Tribuna do Norte

1/01/2019   22h21

 

Amaro Sales: “O dinheiro do Sistema S é privado”

 

Por Ricardo Araújo (Editor de Economia)
TRIBUNA DO NORTE (30.12.2018)

 

A falta de amplo diálogo com a sociedade e exposição de outros meios de se reduzir a carga tributária das folhas de pagamentos das empresas em todo o Brasil são apontadas pelo presidente da Federação da Indústria do Rio Grande do Norte (FIERN), Amaro Sales de Araújo, como um dos motivos que gerou “surpresa e decepção” no empresariado brasileiro diante do anúncio do corte de verbas do Sistema S a partir de 2019. A arrecadação do Sistema, que em 2018 se aproximou dos R$ 16 bilhões, poderá sofrer cortes de até 50% conforme anunciado pelo futuro superministro da Economia, Paulo Guedes. Na entrevista a seguir, Amaro Sales destaca os riscos para o Rio Grande do Norte e aponta que, se a medida for levada adiante, o caso será judicializado.

 

Quais poderão ser os reflexos, para o Rio Grande do Norte, do anunciado corte de recursos do Sistema S em 2019?
Nós fomos pegos de surpresa com o ministro Paulo Guedes dizendo que iria dar uma “facada” no Sistema S, depois ele falou que iria privatizar o Senai, depois ele disse que iria fiscalizar o Senai e que ele estaria apto, neste momento, a fazer uma devassa no Sistema S. Primeiro, é preciso esclarecer que o Sistema S é feito com recursos exclusivos das empresas. É um dinheiro. O dinheiro do Sistema S é privado. Ele tem, constitucionalmente, no Artigo 240, que diz que esses recursos serão arrecadados para financiamento da qualificação profissional e formação e defesa dos interesses do trabalhador, da mão de obra. Então, como é constitucional, e Paulo Guedes fala a todo momento que esse dinheiro é público, mas não é. É um dinheiro privado. Ele sai da minha guia de pagamento, quando eu pago a folha de pessoal e vou recolher os tributos, eu desconto para o SESI e SENAI, como industriário, para que esse dinheiro vá beneficiar os trabalhadores e as próprias indústrias do Brasil.

 

Então, por que o Paulo Guedes afirma que esse dinheiro é público?
Porque o governo federal, na hora que eu emito e pago a guia, o governo carimba essa guia e cobra um pedágio de 3% dos recursos do Sistema S, do sistema todo. Esse ano, a arrecadação girou na ordem de R$ 16 bilhões, dentro das nove situações do Sistema S (SESI, SENAI, SEST, SENAR, SENAC, SEBRAE…).

 

Como o senhor avalia a declaração de que o Sistema S será analisado, conforme dito pelo futuro ministro da Economia?
Nós somos hoje já auditados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria Geral da União (CGU). Mesmo o nosso dinheiro sendo privado, nós prestamos contas mensalmente desse dinheiro ao CGU e ao TCU. Nós temos nos Portais da Transparência, obrigatoriamente, do SESI e SENAI, um link onde diz quem são os remunerados e quais os valores dessas remunerações de cada Federação de Indústria do Brasil. Fora essa auditoria que nós recebemos do TCU e da CGU, nós temos auditorias independentes que fazemos internamente. Temos certeza de que os dirigentes do Sistema SESI e SENAI não são remunerados. Eles são dirigentes em função da posição que ocupam como presidentes das Federações e se tornam gestores desses órgãos sem remuneração salarial.

 

E se as alíquotas de contribuição forem, de fato, modificadas conforme anunciado por Paulo Guedes, o que poderá ocorrer?
Nós iremos judicializar o caso, porque nós temos compromisso. Nós temos compromisso com a sociedade, nós temos o compromisso de entregarmos matrículas, prestação de serviços à sociedade e às indústrias. É tanto que está feito um orçamento para o ano de 2019 onde já foi definido, em cada Federação, detalhar seus orçamentos. Nós temos uma instituição maior que responde pelas Federações das Indústrias, que é a Confederação Nacional das Indústrias, a CNI. Essa, sim, tem no papel do presidente Robson Braga, como principal dirigente, fazer as discussões a nível de governo. Para se ter uma ideia, a discussão poderá ocorrer. O novo governo está chegando, novos direcionamentos. Respeitamos a forma dele (Paulo Guedes) nos procurar, mas não fazendo através de entrevistas, ameaças. Isso nós não concordamos. O Sistema SESI/SENAI existe há mais de 70 anos. Não foi criado agora, há dois ou três meses. O Sistema S tem uma capacidade de formar, somente o SENAI nesses últimos 70 anos, mais de 70 milhões de pessoas. Quase um terço da população do Brasil já passou pelos bancos do SENAI. Uma instituição dessa não pode ser jogada à entrevistas dizendo que será fechada ou que meterá a faca. Nós estamos numa democracia e entendemos que tudo é possível dentro do regime democrático. Entendemos que como está dentro da Constituição, se o governo fizer de forma afrontosa, nós iremos judicializar porque os recursos são privados.

 

Como será possível trabalhar com metade dos recursos do Sistema S?
Não só no Brasil, mas também aqui no Rio Grande do Norte, serão necessários cortes. E também deixar de entregar produtos que se entregam à sociedade hoje. Para se ter uma ideia, no SENAI, 72% dos serviços prestados aos alunos, à formação profissional, são gratuitos. Se eu tenho essa gratuidade de 72% e o governo corta esse percentual de forma afrontosa, sem uma discussão prévia, nós vamos deixar de entregar a gratuidade também. Como é que nós vamos entregar essa gratuidade se o governo irá cortar recursos? A gente tem um sistema que funciona, uma das poucas instituições que funcionam bem no Brasil que é o Sistema S, e claro que se existem dificuldades em instituições A ou B, isso não nos compete. Compete ao TCU e à CGU, que fazer as fiscalizações. O governo tem que se inteirar, junto ao TCU e à CGU, que, não está entregando à sociedade esses produtos que, por fora, são prometidos. Eu acho que esse déficit que o governo quer aproveitar como uma forma de ter no seu caixa mais R$ 16 bilhões, ele vai ter que tirar de outro canto. Deveria tirar dos juros que paga. Esse ano são R$ 400 bilhões em juros. Tem que cortar isso. Tem que tirar o déficit da Previdência que são mais de R$ 160 bilhões que necessitam ser cortados. O presidente eleito precisa cortar a máquina que existe sem funcionar. Precisa melhorar essa máquina, torná-la mais ágil. As empresas contribuem compulsoriamente para o Sistema S e não sai nem do bolso do trabalhador, nem do bolso do governo federal. Nós defendemos que esse governo tem outras formas de negociar com o empresariado, abrir mais a economia, baixar mais os juros numa forma que ele pudesse incentivar a produção, empregabilidade e o desenvolvimento. É isso o que fazemos todos os dias.

 

O economista Carlos da Costa, um dos auxiliares de Paulo Guedes, disse que a redução de recursos do Sistema S é para desonerar a folha de pagamento das empresas. O senhor acredita que isso irá acontecer?
O governo tem diversas formas de desonerar a folha. Na hora em que se tem empresas com alta empregabilidade, de forma intensiva como os setores de confecção, tecelagem e outros setores, o governo tem como incentivar para desonerar. Na hora em que o governo diz que quer desonerar a folha em 1,5% do Sistema, esse não será o grande guardião para a recuperação das empresas. Nós precisamos é recuperar a partir das altas taxas cobradas nos impostos. Se tem a questão da segurança jurídica no Brasil, se tem a questão da vulnerabilidade da produtividade que o SENAI tem trabalhado muito essa questão. Eu acredito que existem outros elementos que o governo pode contar para desonerar. Querendo cortar num Sistema que funciona, que dá entrega às empresas, eu acho que é um equívoco.

 

Já que os recursos são privados, por que o governo federal se voltou ao Sistema S?
Não é de hoje que esses recursos são desejados, principalmente, pelas pessoas que comandam esse país. Em função de serem recursos carimbados para os empresários capacitarem essa mão de obra, já que o governo é que deveria fazer isso. O governo é que deveria capacitar, educar. Na hora que a maioria dos trabalhadores não tem nem o Ensino Básico, que seria um dos mandamentos para se termos uma boa educação, se tem um governo querendo alcançar um recursos que ele sabe que existe no caixa. Esses recursos precisam chegar aos trabalhadores para que eles possam fazer com que a indústria seja mais competitiva, a indústria tenha sua qualificação e alcance níveis de competitividade mundiais. Nós temos um índice de competitividade onde a inovação precisa ser trabalhada, assim como a produtividade. Precisamos incentivar as empresas a participar mais com recursos desse Sistema que é tão ágil. Cerca de 98% das empresas em atuação no Brasil, são micro e pequenas empresas. É um trabalho belíssimo do Sebrae que corre o risco de deixar de ser feito. O governo não tem dinheiro para estruturar outros setores, avalie as micro e pequenas empresas que são milhares e milhares pelo Brasil. Esse setor representa 50% da empregabilidade no país. A micro e pequena empresa participa com 50% da economia no país. O governo extinguiu o Ministério que tratava de Indústria e Comércio. O governo traz um Ministério que era importante para a defesa dos interesses do País para uma Secretaria que está na alçada do super-ministro Paulo Guedes. Nós precisamos avaliar isso. Isso não foi discutido com a sociedade. Ele precisava ter discutido com a sociedade. Ter as classes empresarias, ter discutido. O presidente da CNI, Robson Braga, está aberto à discussão para esse e outros assuntos, como o incentivo às empresas que possam geram emprego, renda e riquezas.

 

Os empresários apoiaram a candidatura de Bolsonaro quando ele falava em abertura do comércio, retomada do crescimento econômico. Hoje, há um certo arrependimento ou incômodo?
Não. Não há um arrependimento porque nós não vimos as ações concretas. Agora, uma decepção a nível de discussão de assuntos tão polêmicos, você não acha que esse assunto do Sistema S que envolve milhões de trabalhadores, envolve a qualificação da empregabilidade nesse país, não deveria ser discutido? Se ele (Paulo Guedes) não gosta de A ou B, não gosta de pessoas, nós não estamos discutindo pessoas. Nós estamos discutindo o Brasil. Um Brasil que nós pretendemos fazer. Então, eu entendo que essa decepção se deu em função do governo, através do super-ministro Paulo Guedes, não ter levado à mesa de discussão, um assunto que envolveria nove confederações que estaria, no mínimo, num nível de um Brasil que a gente espera. O novo governo irá assumir no dia 1º de janeiro e nós vamos esperar essas promessas que foram feitas em campanha para ver se elas se tornam realidade. Eu entendo que há ampla possibilidade de apoiarmos algumas ações do governo, mas nós trabalhamos em função da defesa dos interesses da indústria, da empregabilidade, da geração de riquezas para que a gente possa ter um país melhor.