A indústria daqui a 10 anos, aponta o Mapa Estratégico do setor elaborado pela CNI

8/08/2022   16h25

Com o objetivo de definir diretrizes para tornar a indústria brasileira mais competitiva, inovadora, global e sustentável, está em elaboração o Mapa Estratégico da Indústria 2023-2033, estudo que apontará uma agenda para o desenvolvimento do setor e do Brasil na próxima década, e que deverá ser concluído no segundo semestre do próximo ano.

 

O projeto começou a ser construído pelos empresários do setor industrial durante o Encontro Nacional da Indústria (ENAI), realizado no final de junho. O ponto de partida é a última edição do documento, lançada em 2013, revisada em 2018 e válida até o final de 2022.

 

Dos 73 indicadores que constam do texto atual, 56% caminham para alcançar ou já atingiram as metas estabelecidas. Em comparação com o início de 2018, o número de indicadores que mais se aproximavam da respectiva meta passou de 30 para 40. Os itens que o fazem em uma velocidade suficiente para alcançar os objetivos ainda em 2022 passaram de oito para 17.

 

Apesar da evolução, é preciso intensificar os esforços em prol da competitividade, pois a maioria dos índices avança rumo ao cumprimento das metas em velocidade menor que a necessária para alcançá-las até o final deste ano, conforme avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

A entidade alerta que a quantidade de indicadores com percurso divergente dos objetivos traçados, apesar de permanecer abaixo do patamar original de 2018, vem crescendo nos últimos anos.

 

Previdência
Uma das principais conquistas da edição atual do plano, segundo a CNI, foi a aprovação da reforma da Previdência Social em 2019. Ela foi essencial para garantir o controle das contas públicas brasileiras e a estabilidade macroeconômica necessária à competitividade da indústria.

 

A atuação da CNI pela aprovação da reforma ocorreu em três frentes. Uma delas foi a avaliação das propostas discutidas no Congresso; a segunda foi a conscientização da população sobre a importância das mudanças; por fim, houve a mobilização de empresários industriais pela aprovação da reforma.

 

A nova versão do Mapa Estratégico da Indústria reforçará a necessidade de o Brasil avançar nas reformas e na criação de condições favoráveis para o desenvolvimento econômico e social do país. Na avaliação de Julio Sergio Gomes de Almeida, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), é preciso investir em uma agenda de ações para aprimorar o ambiente de negócios e reduzir divergências do Brasil em relação aos padrões e às práticas comuns nos países desenvolvidos.

 

“A tarefa é complexa e só terá sucesso com coordenação política e debate democrático e qualificado de ideias entre os agentes sociais”, afirma.

 

Do ponto de vista da indústria, diz ele, uma das questões mais importantes é a reforma tributária, em especial a tributação sobre o consumo, que “precisa ser modernizada”.

 

Incluída no Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022, a meta de reduzir o número de tributos incidentes sobre a circulação de bens e serviços de oito para dois, até 2022, está longe de ser alcançada. Para o presidente do IEDI, a discussão da reforma tributária “está madura e não seguiu adiante porque o governo federal relutou em fazer”.

 

Estudo do IEDI divulgado no final de junho destaca quatro condições cruciais para viabilizar uma agenda de desenvolvimento: manutenção da tranquilidade institucional e reforço da segurança jurídica; contas públicas sob controle e evolução significativa da governança do Estado; redução das desigualdades sociais; e avanços na sustentabilidade ambiental.

 

Presentes no Mapa Estratégico da Indústria de 2018-2022, com diferentes resultados em relação aos propósitos almejados, esses quatro temas continuarão sendo prioridade nos próximos anos.

 

“Política industrial é sempre olhar o futuro, e não o passado. Quem aposta e ganha em política industrial é porque antecipou bem o que será o carro-chefe da indústria no futuro e construiu mecanismos para favorecer isso”, afirma Gomes de Almeida.

 

Do ponto de vista estratégico, analisa, o Brasil “precisa criar condições para absorver as tecnologias emergentes na revolução da indústria 4.0 e promover o desenvolvimento e a aplicação delas”.

 

“É preciso potencializar a inovação, por meio de pesquisa e desenvolvimento em instituições públicas e no setor privado, de fortalecimento da educação básica e tecnológica e de programas que articulem a cooperação dessas entidades com o setor produtivo e o governo”, destaca o presidente do IEDI.

 

Julio Sergio Gomes de Almeida diz que já existe um roteiro de política industrial delineado pelas maiores economias. Esse roteiro, segundo ele, abrange os seguintes temas: digitalização – que é fundamental para a indústria 4.0 –, sustentabilidade – com ampliação da economia de baixo carbono –, reformulação das cadeias globais de valor e integração internacional e soluções para reduzir a insegurança alimentar.

 

Marco Antonio Rocha, professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp), avalia que o olhar voltado para a política industrial começou na crise econômica de 2008.

 

“Outro elemento, que se destacou a partir da pandemia de Covid-19, é uma certa preocupação com a soberania e com a capacidade produtiva de certos insumos estratégicos, de setores importantes que tenham relação com a soberania nacional. Falamos da questão alimentar, energética e, principalmente, do complexo industrial da saúde”, comenta.

 

Em sua participação no ENAI, Luis Felipe Mosquera, vice-presidente da Siemens, disse que o Brasil precisa de uma estratégia como nação. Segundo ele, a digitalização, a indústria 4.0 e a Internet das Coisas representam uma grande oportunidade para o Brasil. “A gente precisa fazer com que a indústria brasileira retome o protagonismo e o Brasil volte a ser um player relevante no mercado internacional”, defende.

 

Ronan Damasco, diretor nacional de Tecnologia da Microsoft Brasil, também cita a importância da inovação para estimular a indústria. “É a base para gerar diferencial competitivo, não só redução de custos e melhoria de processos”, argumenta.

 

Segundo ele, as habilidades digitais estão se tornando fundamentais para a mão de obra do futuro. “O que a gente precisa é de qualificação, requalificação e formação da nossa mão de obra, visando à educação em tecnologia. É o grande esforço que o país tem que fazer”, resume.

 

Suzana Kahn Ribeiro, diretora do centro Brasil-China do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ), afirma que, do ponto de vista da sustentabilidade e das mudanças climáticas, o grande desafio para a indústria brasileira é se adequar a uma redução do uso de recursos naturais no produto final.

 

“Isso envolve toda a cadeia produtiva. O mundo está cada vez mais atento aos conceitos ESG, que levam em conta o meio ambiente, os aspectos sociais e a governança. Com a rastreabilidade da cadeia produtiva, essa questão se torna um diferencial competitivo”, avalia Suzana. Caso não faça isso, complementa, o Brasil poderá ter dificuldades no mercado global.

 

Segundo a pesquisadora, o país dispõe de inúmeras alternativas de geração de energia renovável. “Se houver um planejamento estratégico para uma industrialização moderna e sustentável, o Brasil poderá liderar essa transição”, aposta.

 

Estudos da CNI mostram que a descarbonização dos processos de produção requer investimentos elevados, mas também oferece muitas oportunidades para o Brasil, graças à sua matriz energética limpa, à sua expressiva área coberta por florestas, rica biodiversidade, e à maior reserva de água doce do mundo – características que podem trazer vantagens competitivas para as empresas e ampliar as exportações de produtos brasileiros. Hoje, conforme estudo do IEDI, é a China quem lidera, no mundo, a indústria de transformação.

 

Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da CNI, diz que o protagonismo empresarial é um fator capaz de reverter a trajetória de perda de competitividade do Brasil e de estimular o potencial de crescimento, objetivo do mapa.

 

“Para alcançar patamares elevados de produtividade, o país precisa implementar uma estratégia nacional de longo prazo e com metas bem definidas, que estimulem a ciência, a tecnologia e a inovação a fim de aproveitar a janela de oportunidade com a revolução verde e tecnológica pela qual o mundo passa”, argumenta a dirigente.

 

Na avaliação da CNI, um processo de grande impacto que contou com participação intensa da entidade foi a revisão das Normas Regulamentadoras (NRs). A entidade contribuiu, nas consultas públicas, com sugestões para aperfeiçoar essas regras.

 

Ainda em 2018, foram editadas pelo Ministério do Trabalho as Portarias 252, 316 e 1083 como aperfeiçoamento da NR 12, que trata da segurança do trabalho em máquinas e equipamentos. A articulação e a discussão tripartite sobre o tema – com participação de governo, empregadores e trabalhadores – prosseguiu e, em maio de 2019, a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) aprovou o novo texto da norma, que melhora a segurança jurídica e o ambiente de negócios para as empresas industriais.

 

Ainda de acordo com a CNI, a reformulação do Ensino Médio e a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram outros avanços sugeridos no Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022. O Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), a convite do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), participaram da etapa de análise e sugestões para a melhoria do texto final das políticas públicas.

 

As duas organizações do Sistema S foram pioneiras na implementação da formação técnica e profissional e se tornaram as principais parceiras do MEC na operacionalização desse itinerário de ensino.

 

Paula Harraca, diretora de Futuro da ArcelorMittal e presidente da fundação da empresa, lembra que o Brasil ocupa a 57ª posição no Ranking de Competitividade e Inovação Mundial. No estudo, diz ela, a pior nota do país é no quesito educação, em que o Brasil ocupa o 64º lugar.

 

“Existe uma forte relação entre a formação dos profissionais que chegam ao mercado e o desempenho competitivo do nosso país. Há inúmeras variáveis que afetam esse indicador, mas a educação ainda é um importante ponto de atenção. Ao mesmo tempo, ela é a grande solução para nos tornarmos um país mais competitivo e inovador”, afirma Paula, que foi palestrante no ENAI 2022.

 

Aumentar os investimentos em ciência e tecnologia, diz ela, é crucial para elevar a produtividade da indústria e para que o Brasil aproveite as janelas de oportunidade abertas pela indústria 4.0, caracterizada pela crescente automação e pelo avanço da digitalização.

 

“Atualmente, o Brasil investe menos de 1% do PIB em inovação, muito abaixo da média dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 2,7%. A competitividade da indústria e dos outros setores da economia passa, fundamentalmente, pela educação e pelo investimento científico e tecnológico”, destaca.

 

Paula Harraca avalia que é preciso começar a mudar esse panorama. Nos dados mais recentes do PISA – avaliação internacional que contempla leitura, matemática e ciências –, a nota média do Brasil passou de 395, em 2015, para 400, em 2018, último resultado divulgado.

 

Segundo ela, “toda crise gera oportunidades e não podemos sair iguais a como entramos. Se quisermos alavancar a competitividade do nosso país, é essencial que tenhamos um novo olhar para a educação, conectando as necessidades desse novo mundo a modelos de aprendizagem mais adequados aos tempos atuais”.

 

Para Mônica Messenberg, o sistema educacional precisa dar um salto de qualidade para formar profissionais alinhados à nova realidade do setor produtivo. “É importante fazer as reformas necessárias, de modo a enfrentar o Custo Brasil, eliminando barreiras para que nossas empresas possam competir em pé de igualdade com o resto do mundo”, diz a diretora da CNI.

Agência CNI da Indústria